Freud explica a ação dos justiceiros?

 

Ana Cassia Maturano

 

Um homem acusado de roubar botijão de gás e uma televisão foi espancado em São Gonçalo, no Rio, na terça-feira. Seu nome é Magno Nogueira da Conceição e ele teve mãos e pés amarrados. Foi arrastado pelos moradores de Jardim Catarina, bairro às margens da rodovia BR-101.

Foi o terceiro caso de justiça com as próprias mãos, no Rio de Janeiro, em menos de 30 dias. Episódios do mesmo teor aconteceram recentemente no Mato Grosso e em Santa Catarina.

O que tem levado as pessoas a atitudes tão extremas? Em nenhuma das situações a agressão se justifica, legal ou moralmente. São homens que se intitulam justiceiros, praticando uma justiça sem julgamento ou defesa, simplesmente punindo.

A qualquer momento podemos ser pegos na rua e julgados à nossa revelia? Direitos e deveres estariam perdidos e qualquer um poderia exercer seu poder sobre o outro, vencendo, é claro, o mais forte. Não haveria mais regras ou condutas mínimas a serem seguidas. Um crime qualquer poderia ter uma punição justificada ou não, o que dependeria dos referenciais de quem a exercesse.

Aonde isso nos levaria? Provavelmente a um retrocesso em nosso processo civilizatório. No entanto, será que a intenção – fazer justiça – corresponde à verdadeira razão destes atos violentos?

Em “O Mal Estar na Civilização” (1930), Sigmund Freud discute onde está o mal do homem civilizado, a causa de sua infelicidade. Se antes a força é o que valia, aos poucos ela foi dando lugar à razão. Unindo-se para proteger-se da natureza, de modo a poder conviver em comunidade, os homens tiveram que abrir mão de seus instintos mais básicos: o sexual, hoje nem tanto reprimido, e o agressivo. A infelicidade está justamente na impossibilidade de satisfazer plenamente nossa sexualidade e agressividade.

Abrir mão não quer dizer deixar de existir, todos nós temos em nossa natureza um instinto agressivo, que serve inclusive para nos protegermos. Ele está dentro de nós, à espreita. Como somos civilizados, não pode aparecer e damos outros fins a ele. Por uma boa causa, quem sabe, ele se justificaria.

Sabemos que muitos dos problemas de criminalidade em nosso país se devem à injustiça social que vivemos. A sensação de desamparo experimentada por nós tem nos deixado infelizes e inseguros. Uns vão e tentam tomar a força o que lhe devem; outros tentam usar a força para saciar sua vingança. A razão está perdendo lugar para a força.

Ao fazer justiça com as próprias mãos, os justiceiros a usam como álibi para justificar a evasão de sua própria agressividade. O que os diferencia dos criminosos que incendiaram uma dentista em 2013? Muito pouco, apenas o engano de que estão fazendo algo de bom para eles e para a sociedade.

 

 

Fonte: DCM

 

 

 

+ sobre o tema

Os incríveis tesouros saqueados pelos nazistas

  Obras de arte que fizeram o pé-de-meia...

As algemas de plásticos e o controle estético social no carnaval de Salvador

Ontem (28/02/17) foi o último dia de carnaval em...

para lembrar

O que DJ Ivis e Liziane Gutierrez têm em comum

Eu fico um pouco impressionada com quem consegue falar...

‘Direito ao cabelo’: NY vai banir discriminação de penteados, texturas e estilos dos fios

Novas diretrizes vetam constrangimentos no trabalho, na escola e...

Cresce número de homicídios dolosos e de autos de resistência no Rio

Por: Vladimir Platonow   O número de homicídios dolosos no estado...
spot_imgspot_img

Marca de maquiagem é criticada ao vender “tinta preta” para tom mais escuro de base

"De qual lado do meu rosto está a tinta preta e a base Youthforia?". Com cada metade do rosto coberto com um produto preto,...

Aluna é vítima de racismo e gordofobia em jogo de queimada na escola

A família de uma adolescente de 15 anos estudante do 9º ano do Colégio Pódion, na 713 Norte, denunciou um caso de racismo e preconceito sofridos...

Atriz Samara Felippo presta depoimento em delegacia sobre caso de racismo contra filha em escola de SP

A atriz Samara Felippo chegou por volta das 10h desta terça-feira (30) na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, no Centro de São Paulo. Assista o...
-+=