Costureira e moradora da Cidade Tiradentes, bairro periférico de São Paulo, Janaína Maria da Silva, de 40 anos, é mãe de dois rapazes, de 12 e 21 anos. Em agosto do ano passado, seu marido foi preso aos 34 anos sob acusação de tráfico de drogas. Com isso, Janaína se viu repentinamente sozinha para sustentar a casa. Na pandemia, a situação financeira se agravou e hoje ela passa por dificuldades como nunca antes em sua vida.
Como fonte de renda, Janaína começou a produzir máscaras para um projeto do governo do Estado de São Paulo por intermédio da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE) e do Centro Paula Souza (CPS). Até julho de 2020, mais de meio milhão de máscaras foram produzidas neste projeto– ação que contou com a participação de mais de 250 costureiros.
As máscaras não foram seu primeiro contato com a costura. Em 2014, Janaína fez parte de uma das primeiras turmas de uma oficina de moda promovida pelo babalorixá Jair Tí Odé, mais conhecido como Pai Jair, uma relevante liderança negra de Cidade Tiradentes. Ela é casada com seu sobrinho desde quando ela tinha 21 anos e ele 16.
Com a prisão do marido, ela conheceu um mundo que não era próximo de sua realidade: o sistema carcerário brasileiro. Agora, ela só encontra tempo para tratar das burocracias do processo jurídico, desde sessões na corregedoria (que se encontra fechada no momento), até o auxílio-reclusão que lhe foi negado duas vezes.
“Eu não sei de onde eu tiro tanta força. Às vezes eu me canso, mas penso que não posso esmorecer, porque senão como vai ser?”, relata. Todos os dias, ela entra no site da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) para buscar mais informações sobre o marido, que vive em situação precária na prisão. Além de ter tido pneumonia por três vezes, ele perdeu muito peso, indo de 97 kg para 54 kg. A penitenciária também não fornece os medicamentos que ele necessita. Então Janaína recebe a receita por e-mail e envia os remédios por Sedex.
O medo com a contaminação da covid-19 nas celas está em todas penitenciárias. De acordo com dados da Secretaria de Administração Penitenciária divulgados em junho deste ano, entre os mais de 211 mil detentos distribuídos nas 178 unidades prisionais do Estado de São Paulo, cerca de 15 mil testaram positivo para a doença. Foram 62 óbitos entre os detentos, e 113 mortes de servidores penitenciários. Mas especialistas afirmam que este número pode ser muito maior por haver subnotificação de casos. Além da superlotação e da falta de água nas penitenciárias, 70% das unidades prisionais não contam com uma equipe de saúde.
“Agora está tendo as ‘saidinhas’. Os que saíram, levaram a covid-19 para dentro dos presídios. Assim a visita nunca é liberada, pois precisa esperar a quarentena de quem saiu. Os que voltam, ficam isolados e não vão direto para o convívio. Mas como controlar os presos? É um tremendo descaso”, relata.
Janaína concorda com os especialistas ao reforçar que em razão da subnotificação de casos de contaminação o índice de morte e contaminação nas penitenciárias deve ser ainda maior. Como uma maneira de mapear os casos, os familiares de pessoas presas criaram um grupo no Facebook chamado “AMOR Atrás das Grades”, para trocar informações sobre seus entes e desabafar as situações de descaso. Atualmente, o grupo conta com 77,7 mil membros.
A última visita que realizou, a um metro de distância, ocorreu em 6 de janeiro deste ano. Na ocasião, o marido lhe contou sobre a fome que estava passando por conta da pouca alimentação das marmitas, a falta de limpeza nas celas e a escassez de papel higiênico. Recentemente falou sobre o frio e que as cobertas só entram na penitenciária na época do inverno, em junho e julho.
O marido de Janaína divide a cela com 36 presos, com 12 camas de concreto disponíveis. “Cada um precisa pagar o seu preço, mas é desumano demais. É lotado demais. Toda a minha família sofre”, diz.
Para ela, o racismo da sociedade também se mostra dentro da penitenciária, já que esse é um sistema que prende a população negra da maneira que acontecia na época da escravidão. “Quem não tem apoio da família sai de lá pior ainda. É uma engrenagem para que a pessoa viva assim. A intenção não é fazer com que a pessoa saia um ser humano melhor ou corrija seu erro”.
Seu marido não possui advogado e pegou uma sentença de 10 anos e 8 meses. Porém, por bom comportamento a pena pode ser diminuída. “Parece uma eternidade”, diz ela. No momento, Janaína mantém a casa com as costuras e parte do salário de seu filho mais velho. Seu sonho? Voltar a estudar e conseguir um emprego registrado.