A força ancestral une mulheres negras

No dia 25 de julho, dia internacional da mulher negra, latino-americana e caribenha e dia nacional da mulher negra, relembramos o legado da Rainha Tereza de Benguela, símbolo de resistência e liberdade.

Não existem muitos documentos que detalhem como foi sua vida, mas de acordo com o Anal de Vila Bela de 1770, a principal fonte documental que nos conta sobre Tereza, sabe-se que fora uma mulher escravizada pelo capitão Timóteo Pereira Gomes no século XVIII. Fez da liberdade sua luta, ousou resistir ao cativeiro e tornou-se rainha no Quilombo do Quariterêre, próximo à Vila Bela da Santíssima Trindade, localizado no atual Mato Grosso. Por duas décadas a rainha comandou a estrutura política, econômica e administrativa do quilombo, baseada no governo parlamentar.

Tereza suicidou-se ao ser capturada, preferiu a morte do que voltar a ser escrava, entrou para a memória brasileira como uma das mártires pela libertação. Embora seja uma das heroínas pretas invisibilizadas por séculos dos documentos oficiais, sua trajetória nos inspira e marca o dia 25 de julho. Para além da historiografia tradicional, que conta dos domínios de reis ou ricos senhores, ela mostra que houve protagonismo de mulheres negras na construção deste país.

Na infância, durante o período escolar, lembro-me que o estudo da escravidão parecia um grande vazio de três séculos resumido ao sofrimento e passividade de nossas antepassadas. No modelo educacional eurocêntrico, os “heróis” do passado geralmente são homens brancos da elite, e nosso povo entra como os coadjuvantes, sem identidade. Borba Gato ou Anhanguera são homenageados em nomes de ruas e estátuas, mesmo sendo assassinos escravagistas.  

Hoje, resgatamos verdadeiras heroínas pretas do silenciamento e as trazemos para além dos livros. Nossas referências pretas provam que o período da escravidão nunca foi passivo e que nosso povo não aceitou o cativeiro calado. A mulher negra carrega em suas veias essa força ancestral. Tereza, Dandara, Zeferina, Aqualtune, Zacimba Gana e tantas mais deixaram como herança a bravura. Cruza em nosso peito a força de guerreiras, a riqueza das que vieram antes de nós. Ressignificamos nossas memórias para nos orgulhar de quem somos.

Quando falamos de mulheres negras latinas e caribenhas, não há como desvincular nossas vivências da “Coragem”. Do latim “coraticum”, significa bravura de um coração forte. Literalmente, um ato de coragem é uma ação do coração. Essa força nos une.

Séculos nos separam da Rainha Tereza, mas mulheres pretas continuam a ser a base da sociedade exploratória racista e misógina. Por isto valorizarmos nossas raízes e termos referências pretas significa resistência! Tereza de Benguela, presente.

*Dandara Tonantzin é pedagoga, mestranda em educação na UFMG e vereadora de Uberlândia-MG.

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