A marcha dos invisíveis

por Pedro Alexandre Sanches, do Farofafá, com fotos de Jardiel Carvalho, do R.U.A Foto Coletivo para os Jornalistas Livres

O Palácio do Planalto é o próximo alvo. No segundo dia da 11ª edição do Acampamento Terra Livre, cerca de 1.500 indígenas de Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil desfilam pela Esplanada dos Ministérios, em Brasília, desta vez tentando atrair a atenção da presidenta Dilma Rousseff para sua causa.

Do Medium 

Ontem, o cerco da Polícia Militar se fechou sobre o Supremo Tribunal Federal, quando o poder judiciário esteve na mira simbólica das flechas reais dos arqueiros da Mobilização Nacional Indígena. Hoje, PM e Polícia Legislativa (essa postada ostensivamente diante dos vários acessos à cúpula da Câmara Federal) amedrontam brasileir@s originári@s ostentando cassetetes, armas de fogo, capacetes, escudos, a parafernália toda.

Foto: Jardiel Carvalho / R.U.A Foto Coletivo
Foto: Jardiel Carvalho / R.U.A Foto Coletivo

Diante do Palácio do Itamaraty, motocicletas cyborg da PM fazem evoluções mirabolantes em meio a arqueiros, caciques, pajés, cunhatãs e curumins. Nesta passeata, ninguém tira selfie com polícia — longe disso. Um cacique de meia idade se coloca à frente de um policial supermotorizado que tenta entrar no cortejo.

O cacique repete para o policial uma única palavra: “Respeito! Respeito! Respeito!”. O cacique avança, munido apenas da palavra “respeito”. O policial hesita, depois recua, dá meia volta com a moto e segue por outro caminho.

Foto: Jardiel Carvalho / R.U.A Foto Coletivo
Foto: Jardiel Carvalho / R.U.A Foto Coletivo

As cenas de harmonia de ontem se repetem hoje. A falta de interesse por parte da mídia tradicional também. Os gritos de “não à PEC 215” (proposta de emenda constitucional que almeja transferir a responsabilidade pelas demarcações de terras indígenas do poder executivo para o legislativo) não parecem ser ouvidos por ninguém, a não ser por aqueles que gritam.

Repito o script, em paródia à ladainha da Globo em dia de marchas reacionárias: a manifestação é pacífica, não há vândalos nem vandalismo, os militantes evoluem em pique de celebração, há dança, canto, festa. Famílias inteiras marcham juntas, casais de idosos de mãos dadas, adolescentes pintados de “não à PEC 215”, muitas mães de pele queimada que amamentam seus bebês de peito aberto enquanto passeiam, militam, mobilizam, conhecem a capital do país que inventaram. A amamentação livre é direito de mães e de bebês no Brasil — é?

Foto: Jardiel Carvalho / R.U.A Foto Coletivo
Foto: Jardiel Carvalho / R.U.A Foto Coletivo

O carro de som, um trio axé hoje movido pelas mais belas canções, cânticos e cantos indígenas, anuncia a presença das várias tribos e etnias — e são tantas, tantas, todas (ou quase), cada uma bem marcada em suas características distintivas.

Ensaio uma transmissão ninja ao vivo, conversando com tupinambás, pataxós, xucurus, araras, guaranis-kaiowás, uma índia loira do Ceará, brasileir@s interioranos de Rondônia, Roraima, Pará, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia, Paraná. Em roda, os índios do Rio Grande do Sul tomam chimarrão e me fazem lembrar de meus falecidos país, uma gaúcha de Flores da Cunha e um catarinense da margem do rio Uruguai.

Foto: Jardiel Carvalho / R.U.A Foto Coletivo
Foto: Jardiel Carvalho / R.U.A Foto Coletivo

Hoje, mais um grupo vem se somar à passeata que avança para a Praça dos Três Poderes. No final do cortejo multicolorido, a marcha se tinge de vermelho (estamos em pleno #AbrilVermelho), com os militantes da Frente Nacional de Luta Campo e Cidade. Ou seja, reúnem-se aos indígenas os sem-teto das cidades e os sem-terra dos campos — todos irmãos, todos juntos & misturados, como diriam outros irmãos, os rappers da Central Única das Favelas.

Chegamos, os deserdados, à porta da presidenta. Ela não aparece. Apenas os PMs vêm repetir o cerco formado ontem ao redor do STF, o poder vizinho, judiciário, outro que anda se lançando com garras afiadas sobre direitos supostamente já garantidos pel@s brasileir@s originári@s.

Foto: Jardiel Carvalho / R.U.A Foto Coletivo
Foto: Jardiel Carvalho / R.U.A Foto Coletivo

A manhã entardece, @s índi@s almoçamos, a pajelança se dirige à frente do poder legislativo, que, lá dentro, recebe uma comissão de 25 lideranças indígenas. Cá fora, o espelho d’água, os furgões da mídia tradicional, os ônibus da PM e os policiais pedestres nos separam dos deputados e senadores que pretendem tomar para eles a função (já paralisada pela presidência) de demarcar as terras indígenas no país.

Quem estipulou tais demarcações foi a Constituição Federal de 1988, formulada pela mesma casa que hoje, presidida pelos peemedebistas Renan Calheiros e Eduardo Cunha, pretende confiscar, por intermédio de emenda ao soneto, os direitos adquiridos, mas nunca concretizados em sua totalidade, pela Carta Magna de 27 anos atrás.

Foto: Jardiel Carvalho / R.U.A Foto Coletivo
Foto: Jardiel Carvalho / R.U.A Foto Coletivo

Não é uma notícia nova nem está nos jornais, rádios e TVs: os direitos básicos estão invisíveis aos povos originários, do mesmo modo como a maioria da sociedade dita organizada (e teleguiada pela mídia multinacional) finge não notar a existência dos indígenas em sua composição. Mas nós estamos aqui, acampados no chão.

Saiba mais sobre os Jornalistas Livres

#JornalistasLivres em defesa da democracia: cobertura colaborativa; textos e fotos podem ser reproduzidos, desde de que citada a fonte e a autoria. mais textos e fotos em facebook.com/jornalistaslivres.

Leia Também:

Daniel Munduruku: “Índio é invenção total, folclore puro”

As identidades indigenas na escrita de Daniel Munduruku

Escritor munduruku diz que literatura indígena está crescendo no Brasil

 

+ sobre o tema

Diálogo entre enfermeira e movimento de mulheres negras: direitos sexuais e reprodutivos

Programação e Inscrição Grátis (vagas limitadas) em: https://doity.com.br/dialogo-entre-enfermeira-e-movimento-de-mulheres-negras-sobre-direitos-sexuais-e-reprodutivos-/ Os dados sociais...

Anistia Internacional quer mundo de olho no Brasil em protestos durante Copa

Jefferson Puff A Anistia Internacional lançou nesta quinta-feira uma campanha...

Sistema prisional do DF: Comissão de Direitos Humanos entrega à ONU relatório com 983 denúncias

A Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa entregou,...

Polícia investigará homens que transmitem HIV de propósito

Envolvidos ficaram conhecidos na web como ‘clube do carimbo’,...

para lembrar

Ter mais mulheres nos conselhos das empresas interfere no valor de sua ações?

Até aqui, o que se sabia através de pesquisas...

Índia formada em medicina em Cuba quer levar conhecimentos a aldeias

Maíra sonha com a revalidação do diploma; ela fez...

A mulher no noticiário brasileiro durante a Copa do Mundo 2014

Somente 23% das pessoas vistas, ouvidas ou a respeito...
spot_imgspot_img

Estudo relata violência contra jornalistas e comunicadores na Amazônia

Alertar a sociedade sobre a relação de crimes contra o meio ambiente e a violência contra jornalistas na Amazônia é o objetivo do estudo Fronteiras da Informação...

Brasil registrou 3,4 milhões de possíveis violações de direitos humanos em 2023, diz relatório da Anistia Internacional

Um relatório global divulgado nesta quarta-feira (24) pela Anistia Internacional, com dados de 156 países, revela que o Brasil registrou mais de 3,4 milhões...

Apenas 22% do público-alvo se vacinou contra a gripe

Dados do Ministério da Saúde mostram que apenas 22% do público-alvo se vacinou contra a gripe. Até o momento, 14,4 milhões de doses foram...
-+=