Escritor, artista plástico, teatrólogo, político, poeta e baluarte da luta antirracista no Brasil, Abdias Nascimento serviu como ponto de partida para uma ampla reflexão sobre a dívida histórica que o país tem com o povo negro num evento realizado pela Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra no Brasil (Cevenb) da OABRJ na quinta-feira, dia 12, na Seccional. O evento foi proposto pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Afro Brasileiros (Ipeafro), ONG fundada pela companheira de Abdias e guardiã de sua obra, Elisa Larkin Nascimento, que participou dos debates.
Por Clara Passi, Da OAB/RJ
A jornada, que atravessou a tarde até as 20h, teve exibição dos documentários O tradição dos Orixás, de Edlaine de Campos Gomes e Luís Cláudio de Oliveira, cujo livro derivado foi relançado no evento; e Abdias Nascimento memória negra, de Antônio Olavo.
Uma nova edição do livro de Abdias O quilombismo, de 1980, foi lançada na ocasião. Houve também uma performance teatral de Milsoul Santos, integrante do Ipeafro. O mestre-de-cerimônias foi o membro da ONG Julio Menezes Santos.
A militância de Abdias começa nos anos 1930. Nos anos 1940, cria grupos de teatro como arma de luta contra a discriminação racial, como o Teatro do Sentenciado, que nasceu na Penitenciária de Carandiru (SP), para onde foi mandado ao resistir a uma agressão de cunho racista.
Organizou eventos históricos, como a Convenção Nacional do Negro (1945-46), que propôs à Assembleia Nacional Constituinte de 1945 políticas afirmativas e a definição da discriminação racial como crime de lesa-Pátria. Inspirado pela cultura africana, Abdias usou a pintura como forma de afirmar sua negritude e exaltar seus antepassados. Foi perseguido pela ditadura e exilado nos Estados Unidos até 1981.
O presidente da Cevenb da Seccional e do grupo análogo no Conselho Federal, Humberto Adami, afirmou que a reafirmação do legado de Abdias é, em si, um ato de reparação da escravidão negra.
“Cabe apontar não só para uma rememoração da escravidão, mas para a luta da reparação, uma luta internacional, que ocorre nesse momento na Jamaica, na Namíbia, nos portos da Inglaterra que financiaram o tráfico do Atlântico…O trabalho da Cevenb é mergulhar no passado é trazer de volta lendas, personagens, prédios que estão soterrados na história do Brasil e falar de como vai ficar essa conta”, disse o advogado, que indicou Abdias ao Prêmio Nobel da Paz em nome do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara) duas vezes.
A diretora de Igualdade Racial da Seccional, Ivone Caetano, frisou a importância de aliadas de pele não negra como Larkin e falou da forma pejorativa como o tema da reparação é visto por grande parte da opinião pública.
“Tratam como ‘mimimi’, como uma forma de trazer para o presente o ódio do passado”, avaliou. “Para que possamos respeitar e homenagear Abdias do Nascimento ‘ad eternum’ é preciso que tenhamos consciência de que somos negros, de que a maior parte da sociedade é negra, unir-nos e respeitar-nos”.
Também integrante da comissão, Larkin agradeceu a acolhida e ressaltou a importância das frentes jurídicas dedicadas à causa do combate à discriminação.
“A juventude negra é abatida sob risos dos responsáveis por essa política genocida que vige hoje. Quando Abdias falou de genocídio dos negros em 1978, a ideia foi tachada de escandalosa. Ninguém dava crédito. Hoje, vivemos essa situação explicitada. A OAB sempre esteve na frente da defesa dos direitos humanos, do devido processo legal e do estado de Direito”, disse ela, lembrando que Abdias sempre pregou pelo direito do povo negro a ações reparatórias por parte do Estado.