Acender fogueira e bater tambor

As festas juninas, acender fogueira e bater tambor são panculturais e datam das sociedades pagãs européias, bem antes de Cristo; existem “em todos os tempos e em todas as partes”.
Por Fátima Oliveira
Foto: João Godinho

Antes de começar a escrever passei os olhos em vários sites pra apreender o que rolava… A política tem cansado minha mente. Zanzei e dei de cara com uma manchete do “Valor”: “País vive melhor momento desde a Proclamação da República, diz Lula”. Como não tenho tanta certeza assim, prefiro silenciar. Por enquanto. A outra notícia que encheu é o Renangate, cujo desfecho só as deusas sabem.

Coisa pras divindades mesmo, pois como disse um outro senador, o X da questão é que todo mundo tem a “sua” e o “seu”… Então, solidariedade é preciso. E o Senado, quase como um bloco monolítico, saberá se sair à altura da dupla moral sexual e dos péssimos costumes de fazer sexo inseguro. Em nome da moral, da família, da propriedade privada e dos bons costumes. Volto-me para meu torrão natal vibrando para que o Tambor de Crioula se torne patrimônio imaterial brasileiro.

Um cheiro, por merecimento, ministro Gilberto Gil! Dou total razão a quem disse que o Tambor de Crioula é uma dança sagrada e mágica. Acho que fui eu, mas não tenho certeza. O rufar dos tambores pega a gente de corpo inteiro. Pra quem crê, penetra no corpo e na alma. Há transe. Dá uma zonzice só de a gente olhar. É assim: “As mulheres fazem uma roda e, no centro da roda, só uma delas dança, em frente do grupo de três tambores, que não param de tocar”.

E dá-lhe umbigada, êxtase da dança, na marcação do tambor roncador. São três tambores. O pequeno repica, o médio (meião ou socador) dá o ritmo; e o grande (roncador) faz a marcação para a umbigada – “convite para que uma outra dançarina vá para o centro da roda”. E de repente sinto saudades das festas juninas passadas no interior do Maranhão (minha infância) e na cidade de São Luís (adolescência e parte da juventude).

No médio sertão, onde nasci, festejava-se os três santos de junho: santo Antônio, são João e são Pedro. Ah, era cada bolo maravilhoso que fazia a minha avó, sem falar nas batatas-doces assadas nas brasas da fogueira. E canjica e chá-de-burro. Ah, só delícias! O friozinho de junho, as fogueiras e os fogos. Usávamos pijamas de flanela. Fazia frio naquele lindo vale, que já foi chamado de Baixão do Periquitos.

E pra quem não sabe geografia, em vales e em baixões faz frio e as manhãs começam sob denso nevoeiro. Tenho madrinhas e comadres de fogueira (ou é de “fogo?”). Chamava- se “passar fogo”, sob os seguintes dizeres, andando de mãos dadas em volta da fogueira: “São João me disse e são Pedro confirmou que você vai ser meu/minha (compadre, comadre, madrinha, padrinho), que são João mandou”.

Amo as quadrilhas, que integram as danças circulares sagradas. Por uns dez anos banquei uma quadrilha em minha casa, com sanfoneiro tocando e a gente se deliciando com todas as comidas de são João, pelo puro prazer de ouvir o marcador gritar: “Anavantur (em avant tout), anarriê (em derrière), balancê (balancer), travessê de cavalheiros (travesser), travessê de damas, travessê geral”… Não havia bumba-meu-boi e nem tambor, nem de mina e nem de crioula, onde nasci.

Só fui conhecê- los em São Luís. Puro fascínio. As roupas, os sons… Era 1969. Eu morava no pensionato de dona Zinoca, que era a-lu-ci-na-da por “boi” e acompanhava o Boi de Pindaré, assim como pagava para o boi dançar uma noite em sua porta. Era maravilhoso!

Os rituais das festas juninas são panculturais e datam das ditas sociedades pagãs européias, bem antes de Cristo; conforme Bárbara Semerene, existem “em todos os tempos e em todas as partes do planeta”, e são em junho porque na Europa este é o mês do solstício de verão (época em que o sol passa pela sua maior declinação boreal – dias 22 ou 23 de junho), comemorado com rituais que invocavam a fertilidade para garantir fartura e evitar catástrofes da natureza.

As fogueiras e tochas serviam para afugentar os espíritos maus, pois “o fogo representa criação, nascimento, luz original, alegria e elemento que foi divinizado pelo homem. É princípio de vida, revelação, iluminação, purificação”.

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