Ações afirmativas no STF: audiência vai informar a sociedade brasileira, diz Oscar Vilhena

 

 

De 3 a 5 de março, 38 pessoas, entre pesquisadores e representantes de organizações da sociedade civil, vão ao Supremo Tribunal Federal apresentar pontos de vista a respeito das ações afirmativas no ensino superior, questionadas por uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) pelo Partido Democratas.

Oscar Vilhena, diretor da Conectas Direitos Humanos, participará da audiência no dia 4, às 10h30, desenvolvendo o tema “A obrigação do Estado em eliminar as desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidade e tratamento, bem como compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização por motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros”.

Para Vilhena, a audiência vai fornecer à sociedade brasileira um grau de informação que até hoje ela não tem. “É uma questão muito mistificada, com algumas falácias. Então vai ser um momento de ampliação do debate”, diz.

Oscar Vilhena Vieira é doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e pós-doutor pela Oxford University. Professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP). Leia abaixo a entrevista concedida ao Observatório da Educação.

 

Observatório da Educação – Qual a importância de uma audiência pública como essa, no Supremo Tribunal Federal?

Oscar Vilhena – As audiências públicas são um recurso novo no sistema de justiça brasileiro, e, dentro do Supremo, mais novo ainda. Temos poucos precedentes [o caso das células-tronco, fetos anencéfalos e outros]. Basicamente, a ideia é a seguinte: para questões muitos importantes, que envolvem não só as partes que estão participando do processo, mas toda a sociedade brasileira, que vão ter uma enorme repercussão, e que não são estritamente jurídicas, o Supremo tem chamado as audiências públicas. Ou seja, ele quer ouvir as outras questões: será que as ações afirmativas estão funcionando? Como têm sido as experiências nas Universidades? Qual é a questão moral que está por trás disso? Qual é o impacto econômico? E o político? Então o Supremo tem utilizado as audiências públicas para coletar um tipo de informação que normalmente não está presente no processo, que é um documento fundamentalmente jurídico.


Observatório – Então é uma oportunidade de a sociedade civil incidir nesse processo?

 

Vilhena – Sem dúvida nenhuma. A meu ver, o Supremo tem utilizado as audiências para aumentar o seu conhecimento, mas ao mesmo tempo para aumentar a densidade política da decisão que ele vai tomar. Como não é um órgão cujos participantes sejam eleitos, ele quer dar pluralidade, dizer: eu ouvi todos, estou ciente de todas as implicações e, portanto, estou confortável para tomar uma decisão que tem impacto político. Então é, sim, um instrumento de legitimação da decisão a ser tomada pelo Supremo. Nesse sentido, as organizações da sociedade civil não devem ter cerimônia. Elas têm que participar, apresentar seus argumentos de natureza social, política e econômica de maneira tranquila.

 

Observatório – O que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, a ADPF, questiona exatamente?

Vilhena – Há o questionamento de uma série de programas de ação afirmativa. Desde o programa criado no Rio de Janeiro, que foi o primeiro, o da UnB e outros. Há um questionamento se isso viola ou não o princípio da igualdade. Essa é a questão jurídica fundamental. Pode um Estado, uma Universidade, criar mecanismos que favoreçam um grupo? Isso é aceitável, constitucionalmente, ou não? O argumento apresentado na ADPF é de que isto não é aceitável, de que a Constituição proíbe qualquer forma de classificação das pessoas no Brasil que leve a raça como critério. É isso que eles estão discutindo: seria inconstitucional porque o critério pelo qual vai se escolher o aluno que ingressa incorpora a dimensão racial e, segundo eles, a Constituição vedaria essa possibilidade.

O argumento que tem sido formulado pelas organizações da sociedade civil, o movimento negro e outros setores, é que isso é uma falácia. A Constituição estabelece a igualdade de duas maneiras. Em primeiro lugar, que todos nós tenhamos que ser tratados de forma igual. Mas ela é muito sensível ao fato de que nós não somos iguais. E, portanto, permite que você compense as desigualdades. Em todo sistema de políticas públicas, você vai ver quem está com maior deficiência e vai apoiar aquele grupo. O sistema constitucional brasileiro e o de todas as democracias permitem isso. O sistema tributário, por exemplo. Cobra-se mais de um, e menos de outros, pois como você trata igualmente pessoas que são desiguais? Tratando desigualmente essas pessoas.

Então esse é o argumento fundamental, a nosso ver, de que a ação afirmativa é uma realização do princípio da igualdade proposto pela Constituição de 1988. Não está em conflito, ao contrário: sem ela, sim, estaríamos em conflito. Agora, do ponto de vista macro, o que está em jogo é se a sociedade brasileira vai reconhecer que, até hoje, distribuiu recursos públicos, especialmente na educação universitária, para apenas um setor da sociedade, e se agora quer abrir isso para os setores que ficaram de fora. A ação afirmativa é uma ferramenta de democratização do acesso de todos os setores da população brasileira a esse recurso tão importante que é a educação universitária.


Observatório – Qual é sua expectativa para a audiência, baseado nas audiências anteriores, e qual o trâmite a partir de agora?

 

Vilhena – Cada audiência pública é presidida por um juiz relator. Esse juiz relator [Ricardo Lewandowski] nunca presidiu uma audiência pública. Mas a princípio é um processo muito interessante e ordeiro. Porque todas as pessoas que vão falar já estão pré-agendadas, com seus horários específicos. É um processo muito positivo para a democracia brasileira, porque você permite que haja esse debate, que haja a possibilidade que cada um explicite suas posições, mas dentro de um ambiente muito contido e protocolar. Então minha expectativa é que isso vai fornecer à sociedade brasileira um grau de informação que até hoje ela não tem, uma vez que essa é uma questão muito mistificada, com algumas falácias. Então vai ser um momento de ampliação do debate.

E terminada a audiência o Supremo não julga. Ele vai coletar e estudar todas essas informações e só no futuro é que vai convocar uma sessão de julgamento, onde efetivamente  o problema será debatido.

Fonte: Observatório de Educação

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