Pesquisa mostra que projetos culturais em comunidades populares ajudam a dar trabalho a jovens
Por Flávia Oliveira, do O Globo
Não faz muito tempo, uma roda de notáveis da economia fluminense deixou no ar a desconfiança sobre a eficácia dos projetos de arte e cultura que se multiplicam nas comunidades populares. Em debate, estavam cenário macroeconômico, oportunidades de trabalho e renda, segurança pública. No ambiente, ficou a impressão de que muito se gasta e pouco se ganha com a escala de atividades criativas em favelas. Melhor seria, sugeriu um economista tarimbado, concentrar esforços em qualificação profissional. Muita diversão, pouco trabalho, os males do Brasil seriam. E que Mário de Andrade, lá do alto, perdoe a apropriação provocativa da frase célebre de “Macunaíma”.
A visão pragmática do papel dos projetos culturais nas favelas, Brasil afora, espanta quem teve a chance de visitar Vigário Geral e o complexo Babilônia/Chapéu Mangueira em dias de Flupp, a Festa Literária das Periferias. Chateia quem passou pelo Alemão nos festejos da PAZcoa. Incomoda quem testemunhou competições de futebol, basquete de rua e música promovidas pela Cufa. Irrita quem assistiu a apresentações de um dos grupos artísticos do AfroReggae. Machuca quem conheceu a Orquestra Sinfônica de Heliópolis (SP), que inspirou o filme “Tudo que aprendemos juntos”, estrelado por Lázaro Ramos, em cartaz desde a semana passada.
A despeito da oportunidade de formação para o mercado de trabalho, na gama de iniciativas lúdicas, criativas, reside a possibilidade de fazer brotar em crianças, adolescentes e jovens, além de disciplina e capacidade de trabalhar em equipe, a chance de sonhar. Teatro, dança, música são fontes de prazer e fantasia para uma faixa etária tão numerosa quanto incompreendida, desassistida e insegura sobre o futuro. O Censo 2010 estimou em 51,3 milhões o total de brasileiros de 15 a 29 anos. Na recém-divulgada Síntese de Indicadores Sociais 2015, também do IBGE, um em cada cinco deles não trabalhava nem ia à escola.
O ensino médio, não por acaso, é o ciclo com maior índice de evasão. De um lado, há um sistema educacional desinteressante para uma geração crescentemente conectada, em contato permanente com o mundo. De outro, muitas meninas e meninos, moças e rapazes se veem obrigados a buscar ocupação para contribuir com a renda familiar. Mas as políticas públicas não dão conta nem de um fator nem de outro. Falta qualidade à educação; e a oferta de formação não estimula.
Três meses atrás, a Secretaria estadual de Trabalho abriu inscrições para 1.400 vagas em cursos gratuitos em 22 comunidades com UPPs. Adolescentes a partir de 16 anos poderiam se qualificar em artesanato com material reciclável, auxiliar administrativo, camareira, copeira, almoxarife, costureira, recepcionista. Tão errado quanto supor que todos os jovens de favelas se tornarão Emicida, MV Bill, Criolo, Tati Quebra Barraco ou Mc Carol é acreditar que estarão, para sempre, satisfeitos com a cartela limitada da grade oficial.
Agora, descobre-se que a combinação de formação profissional com arte e cultura é, não apenas socialmente desejável, mas economicamente justificável. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou na semana passada estudo sobre o efeito dessas atividades na situação dos jovens no mercado de trabalho. Cinco pesquisadores, entre eles Carlos Henrique Corseuil, adjunto da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, investigaram os efeitos da formação profissional, cidadã e artística do Galpão Aplauso. O projeto, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), é destinado a jovens moradores de comunidades. Junto com o Nós do Morro (Vidigal), foi apresentado como metodologia de referência na série de encontros Visão Rio 500, que conjuga o plano estratégico 2016-2019 da prefeitura com a formação de cenários 50 anos à frente.
O Ipea acompanhou jovens que passaram pelas 300 horas de duração do programa, sendo 180 horas de treinamento acadêmico (reforço escolar) e vocacional (basicamente, construção e soldagem) e 120 de competências para vida. O resultado, diz Corseuil, mostrou que os alunos do Galpão saíram com 14% mais chances de conseguirem emprego e com salário R$ 100 acima da média. “Por incluir teatro, dança e outras práticas culturais, o método agregou novas habilidades à formação clássica. Os empregadores notaram níveis maiores de comprometimento e capacidade de trabalhar em equipe, o que reduz a rotatividade da mão de obra. Além disso, como saíram das comunidades para estudar no Centro, os jovens ganharam novas referências geográficas. Conseguem, por isso, empregos melhores”, enumerou o pesquisador. Fundamental, portanto, é aprender com arte. Que o poder público absorva a lição e dê apoio e escala às iniciativas.