Audiência expõe aliança do DEM com parte da Academia

 

 

 

O segundo dia da Audiência Pública promovida pelo Supremo Tribunal Federal para debater a política de ações afirmativas revelou a aliança explícita da intelectualidade mais conservadora, que lidera a reação à política de cotas para negros e indígenas nas Universidades brasileiras, com o Partido Democrata (DEM), autor da Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, que tramita no Supremo.

A ligação ficou clara porque as antropólogas Yvone Maggie e Eunice Durham, respectivamente, da UFRJ e da USP, – a primeira, líder da campanha anti-ações afirmativas, com o apoio da Rede Globo e dos grandes meios de comunicação – não compareceram, porém, encaminharam cartas fazendo a apologia da posição anti-cotas. 

As cartas foram lidas, respectivamente, pelo antropólogo George de Cerqueira Leite Zarur, e pela adovogada Roberta Kauffman, que já havia sido escalada pelo DEM no dia anterior, para falar em defesa do Partido na ação movida contra as cotas.

Maggie usou palavras fortes ao classificar a política de cotas como “o ovo da serpente da sepração dos estudantes em raça”. Durham – que foi dirigente do Ministério da Educação no Governo Fernando Henrique – por meio da advogada do DEM defendeu os vestibulares, dizendo que “a solução brasileira para o racismo só pode passar pela valorização da mestiçagem”.

Debates

O segundo dia teve ainda intervenções do médico geneticista Sérgio Danilo Pena, formado pela Universidade de Manitoba, Canadá, que fez exposição técnica para mostrar que raças não existem do ponto científico; do professor Leonardo Avritzer, de Ciência Política da Universidade Fedral de Minas Gerais; do advogado Oscar Vilhena, da Conectas e do professor Kabenguele Munanga, da Universidade de S. Paulo. 

Vilhena rebateu a defesa do vestibular feita pela ausente Duhram. “O Vestibular não mede a capacidade, mede investimento. Nesse sentido, as ações afirmativas são suavemente aceitáveis para aliviar a inconstitucionalidade de processos seletivos altamente excludentes”, afirmou, para em seguida perguntar: “Será que uma Universidade branca, que não é plural, que não tem diversidade, será que é capaz de atender ao pluralismo defendido pela nossa Constituição? É possível fazer boa pesquisa com grupos que não tem diversidade, com grupos homogênios? E possível ter extensão para esses grupos, se a escola sequer se abre?”

O professor Kabenguele Munanga, do Centro de Estudos Africanos da Universidade de São Paulo (USP), doutor em antropologia social, considerou “gritante” o quadro de discriminação no país, se comparado com outras nações que conviveram com o racismo, como os Estados Unidos e a África do Sul. “Os dados mostram que, à véspera do Apartheid, a África do Sul tinha mais negros com diploma de nível superior do que no Brasil de hoje”, observou.

Democracia racial

Segundo Munanga “algo está errado no país da democracia racial, que precisa ser corrigido”, e que pode ser alcançado, ou amenizado, por meio da adoção de programas de ação afirmativa. Ele lembrou que nos últimos oito anos, a começar pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde a política de cotas foi aprovada em 2001, dezenas de universidades públicas federais e estaduais passaram a adotar o sistema, contrariando, segundo ele, “todas as previsões escatológicas dos que pensam que provocaria o racismo ao contrário e, consequentemente, uma guerra racial”.

Repreensão

A sessão da audiência, que contou com a presença dos senador Paulo Paim (PT-RGS), teve um momento de tensão quando o relator, ministro Ricardo Lewandowski, advertiu o professor Ibsen Noronha, do IESB de Brasília e representante da Associação de Procuradores de Estado (Anape) que, fugindo à praxe do tratamento respeitoso e cerimonial dedicado aos ministros, chamou a atenção da mesa “alegando que costumava pedir a atenção dos seus alunos quando falava”.

Ao esquecer o detalhe de que não estava na sua sala de aula, nem falando para os seus alunos, Noronha se deu mal. Depois de advertido, o professor do IESB – que seria ligado a Tradição Família e Propriedade (TFP), organização de extrema direita da Igreja Católica – tentou voltar a falar mais foi impedido por Lewandowski. “Está encerrado o debate”, concluiu o ministro.

O professor Leonardo Avritzer, de Ciência Política da Universidade Federal deMinas Gerais, defendeu a questão da raça “como um dos critérios, ainda que não único, para a introdução da ação afirmativa na instituição universitária”.

O último a falar no segundo dia, José Vicente, presidente da ONG Sociedade Afro-Brasileira de Desenvolvimento Sócio Cultural (Afrobras) aproveitou para fazer o marketing da instituição que preside – a Universidade Zumbi dos Palmares – uma entidade que tem no seu corpo docente 87% de negros que pagam mensalidades equivalentes às cobradas nas universidades privadas. 

Último dia

A Audiência Pública se encerra nesta sexta-feira, a partir das 8h30, com a intervenção do jurista Fábio Konder Comparato, que falará em defesa das Cotas e das Ações Afirmativas em nome da Educafro – Rede de Cursinhos, presidida pelo Frei David Raimundo dos Santos.

Fonte: AfroPress

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