Brasil: Violência no Rio de Janeiro – o desafio de mudar

Anistia Internacional: Declaração Pública


A Anistia Internacional tem graves preocupações com o que parece ser uma situação interminável de medo, de violência criminal e de excessos policiais a que foram condenados centenas de milhares dos cidadãos mais pobres do Rio de Janeiro.

Relatos de novos ataques de grupos rivais de narcotraficantes na favela de Vila Kennedy, na zona oeste do Rio, indicam que a brutalidade que abalou a cidade nas duas últimas semanas ainda não terminou.

A violência que caracterizou as disputas dos grupos criminosos por território e as operações policiais militarizadas, as quais marcaram a cidade nesse período, aumentaram as preocupações de que, mais do que alguns poucos projetos governamentais, muito ainda precisa ser feito para assegurar que milhões de moradores de favelas possam viver com segurança em suas casas.

No dia 17 de outubro, o conflito entre grupos criminosos que disputavam território deu início à violência, após uma tentativa de invasão do Morro do Macaco. As facções do tráfico colocaram milhares de vidas em perigo, expulsaram famílias à força de favelas vizinhas e fizeram com que outras deixassem suas casas temendo morrer. Milhares de crianças foram impedidas de ir à escola, enquanto trabalhadores e comerciantes foram impedidos de trabalhar.

Durante a invasão, os narcotraficantes teriam derrubado um helicóptero da polícia, matando três policiais. A Anistia Internacional condena as ações das facções do tráfico, inclusive a morte dos três policiais. Esses ataques contra a polícia não comprometem somente os direitos de cada policial individualmente, mas também os direitos de todas as pessoas cujos direitos a polícia deve proteger.

Na última semana, a Anistia Internacional recebeu diversas cartas de policiais que manifestavam preocupação com a sua situação e que pediam apoio. Essas cartas evidenciam como o Estado fracassou em garantir tanto os direitos quanto as condições necessárias para os policiais que trabalham em situações extremas, solapando os esforços que são feitos para proteger as comunidades mais vulneráveis.

Contudo, a resposta do Estado a esses ataques serviu apenas para aumentar a insegurança em várias dessas comunidades. Há muito tempo a Anistia Internacional tem denunciado a persistência do Estado em apoiar-se em incursões de estilo militar que fazem uso excessivo e descontrolado da força. Tais operações põem em risco a vida de pessoas inocentes, discriminam comunidades inteiras e não trazem a segurança que os moradores demandam daqueles que foram incumbidos de proteger seus direitos humanos.

Diversos transeuntes foram vítimas da violência, entre eles:

Ana Cristina Costa do Nascimento, uma mãe de 24 anos que foi morta a tiros enquanto tentava proteger sua filha de 11 meses, quando se dirigia a uma parada de ônibus próxima da favela Kelson’s. O bebê foi atingido no braço pela bala que matou sua mãe e encontra-se agora em estado grave no hospital. Os familiares acusam a polícia, que realizava uma operação naquela área.

Na favela Mandela III, um adolescente de 15 anos foi atingido por um tiro na cabeça quando saiu para levar o lixo. Os moradores dizem que o tiro partiu da polícia, que conduzia uma operação naquela área; a polícia negou enfaticamente qualquer envolvimento.

Guimarães da Costa, um estudante secundarista de 18 anos, que estava em frente à escola vestido com seu uniforme, levou um tiro nas costas durante uma operação policial na Vila Cruzeiro.

Na última semana, sete pessoas foram mortas por balas perdidas. Todos os casos devem ser investigados de modo completo e independente.

A Anistia Internacional reconhece que, nesses últimos anos, os governos federal e estadual começaram a entender a necessidade de uma abordagem diferente para os níveis excessivos de crimes armados em seus centros urbanos – algo que pode ser percebido em recentes projetos de menor escala baseados em policiamento não violento.

Entretanto, direitos humanos e segurança efetiva não podem ficar restritos a alguns poucos projetos. Está na hora de todos os governos – federal, estadual e municipal – trabalharem no sentido de incluir todos os cidadãos do Rio de Janeiro sob a proteção plena do Estado, seja qual for seu endereço ou a cor de sua pele. Não se pode mais aceitar que trabalhadores, mães, estudantes e aposentados vivam sob o controle de criminosos armados ou com medo das próprias autoridades encarregadas de sua proteção. O Rio de Janeiro e o Brasil devem enfrentar esse desafio se quiserem fazer jus ao seu futuro.

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