Carta aberta ao Conselho da Comunidade Negra de São Paulo…

Paulo César Pereira de Oliveira

Fonte: Lista Discriminação Racial

Carta aberta,

Após ler no Afropress a matéria “Serra bota Marrey para abafar crise no Conselho de negros”, fui dormir e acabei sonhando.

Sonhei com africanos acorrentados no porto de Huyda esperando o embarque;
Sonhei com mulheres negras se jogando com seus filhos no atlântico para não serem escravizadas;

Sonhei com os meninos chamados manequinhos que serviam de brinquedos e para iniciação sexual dos sinhozinhos;

Sonhei com as mulheres negras sendo estupradas por seus senhores;

Sonhei com os negros que suicidavam, sonhando com a volta à mãe África através do ORI, sacrificando a própria vida na luta contra a escravidão, tendo as suas cabeças cortadas;
Sonhei com os negros sendo chicoteados no pelourinho;

Sonhei com os negros que, no pós-abolição, erraram por vários caminhos sem poder entrar nas cidades sob o risco de serem presos pela lei da vadiagem;

Sonhei com as nossas crianças que tiveram a maioridade penal abaixada de 14 para 09 anos, em 1891, logo após a Lei Áurea, por causa das teorias racistas de Nina Rodrigues segundo as quais teríamos tendência precoce para o crime;

Sonhei com os sambistas sendo perseguidos pela polícia, como no samba do delegado Chico Palha “ele não prendia, só batia, ele não prendia…”;

Sonhei com os nossos religiosos africanos tendo seus tambores rasgados e sendo conduzidos à polícia ou a hospitais psiquiátricos;
Sonhei e revi as chacinas que vitimam nossos jovens negros da periferia cotidianamente;

Por fim, sonhei com a reunião do CPDCN no próximo dia 05/06 (sexta-feira). Em meu sonho, que já não parecia o pesadelo das imagens anteriores, éramos um colegiado de negras e negros altivos, libertos, novos quilombolas, que renunciaríamos a essa posição de subalternidade, que ao invés de irmos em procissão fúnebre reverenciar o secretário de justiça, assinaríamos uma carta renúncia coletiva e entregaríamos a chave da sala do conselho, a quem nos aconselhou a esperar 500 anos para que alguma ação fosse feita para reparar nossa história de ignomínia.

Senhores conselheiros, senhoras conselheiras, AMANHÃ EU CONHECEREI OS SEUS SONHOS !

Ribeirão Preto, 04 de Junho de 2009.

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