Caverna de Ali Babá

  Frei Betto

É curioso como os preconceitos desumanizam. Ficamos estarrecidos com o ato terrorista que, na Alemanha, invadiu uma feira de Natal e ao ver as imagens, em São Paulo, de um vendedor ambulante sendo cruelmente pisoteado por dois assassinos. Mas quem se importa com a morte de dezenas de presos na penitenciária de Manaus?

Fonte: Gente de Opinião

Os mortos em Berlim eram gente como a gente. O ambulante paulista, um trabalhador honesto que ganhava a vida no comércio informal. Mas e os presos? Não vemos autoridades públicas proclamarem, sem o menor pudor, que “bandido bom é bandido morto”? A Justiça de São Paulo não considerou que o massacre do Carandiru, que deixou 111 mortos, foi apenas um “ato de legítima defesa” da PM?

Ao preconceito étnico que sonega ao preso a sua condição humana para reduzi-lo a mero “elemento” ou “verme” soma-se o de classe. Se amanhã houver uma rebelião na penitenciária de São Carlos do Pinhal (PR) e um único preso da Lava Jato morrer no confronto, então será um deus nos acuda!

O Brasil necessita urgente de uma profunda reforma do sistema prisional. Todos sabem que a omissão do poder público, contentando-se em usá-lo como mero depósito de presos, favorece o empoderamento de facções criminosas. Dentro das grades elas se organizam para comandar o crime aqui fora e assim obter recursos para pagar advogados, corromper funcionários públicos, fomentar o tráfico de drogas e comprar armas.

Em suma, nossas penitenciárias são a caverna do Ali Babá. Embora a chave da caverna esteja nas mãos da Justiça, lá de dentro ele comanda o crime aqui fora, e quem o mantém preso quase nada faz para resgatá-lo à sociedade.

Quando já nem os sinos dobram por homens entregues ao cuidado do poder público é sinal de que a nossa humanidade se esvai na cegueira, na surdez e na indiferença.

Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros.

+ sobre o tema

A UDN, os IPMs e a mídia brasileira

O "jornalismo de denúncia" que se tornou hegemônico na...

Suicídio abre debate sobre cyberbullying no Canadá

A história trágica de uma adolescente canadense que...

I Fórum Direitos Humanos, Diversidade e Preconceito acontece nesta quarta-feira (16), na URCA

Começa nesta quarta-feira, na Universidade Regional do Cariri...

para lembrar

Mateiros do Araguaia se dizem torturados

Fonte: Folha de São Paulo-   A partir...

VI Concurso de Boas Práticas pela Igualdade e Equidade de Gênero e Interculturalidade em Saúde

Estão abertas as inscrições para o VI Concurso de...

“Vidas trocadas: memórias de médicas” tem o SUS como cenário

Compartilho o ponto final de mais um romance que...
spot_imgspot_img

Na ONU, Geledés promove espaço estratégico para a construção coletiva de justiça reparatória

A 4ª Sessão do Fórum Permanente para Pessoas Afrodescendentes, realizada na sede da ONU em Nova York, entre os dias 14 a 17 de...

Mais de 335 mil pessoas vivem em situação de rua no Brasil

O número de pessoas vivendo em situação de rua em todo o Brasil registradas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) do governo federal,...

Geledés participou do Fórum dos Países da América Latina e Caribe

A urgência da justiça racial como elemento central da Agenda 2030 e do Pacto para o Futuro, em um ano especialmente estratégico para a...
-+=