Como amar um corpo fora do padrão? Três mulheres toparam esse desafio conosco!

Gordura, maternidade, paralisia. Elas falam de suas inseguranças e as desnudam para nossas câmeras. O resultado? Pura poesia!

Por  MARIA RIBEIRO , do AzMina

Por mais meu que ele seja, preciso reconquistá-lo. Necessito reencontrá-lo. Amá-lo. Conceder-lhe o direito a sua existência, liberdade para ocupar o espaço que quiser, as formas que tiver e a aparência que lhe aprouver.

Na sociedade em que vivemos, o corpo da mulher é o primeiro alvo de ataques. Diante dos padrões estéticos impostos pela mídia, somos programadas a concluir que nosso corpo está longe de ser como deveria. Nunca está bom e nem vai ficar. Ainda que nos mutilemos, nos esforcemos, que façamos um investimento de muito tempo, vontade, dinheiro e energia para o tão almejado “corpo perfeito”, parece que nunca chegaremos lá. E não mesmo, porque esse não é o objetivo do sistema.

O modelo ideal é feito sob medida para ninguém, perfeito para que passemos a vida inteira escravizadas inutilmente em busca de conquistá-lo.

Já disse Naomi Wolf que “a obsessão pela magreza feminina não é uma obsessão pela beleza feminina, mas, sim, pela obediência feminina. As dietas são um instrumento poderoso no processo de submissão das mulheres, pois uma população passivamente insana é facilmente controlada”. Isso porque essa programação insistente e sistemática incutida em nosso inconsciente desde que nos entendemos por gente tem consequências que ultrapassam e muito a questão física.

Ela pode nos transformar em uma massa insossa, incapaz e infeliz.

A sociedade relaciona diretamente a beleza feminina com sucesso, realização pessoal, merecimento, amor e felicidade. Enquanto a existência fora dos padrões é vinculada ao fracasso, à preguiça, falta de popularidade e afeto. Indústrias de cosméticos, academias, salões de beleza, spas e clínicas de cirurgias plásticas investem milhões para nos vender o sonho da “perfeição”. Na mídia, mostrar as características reais dos corpos femininos tornou-se o maior dos tabus. Maquiagem, manipulação de imagens e Photoshop são a regra para nos iludir quanto à aparência de modelos e celebridades na onda do “é possível ser perfeita, só não consegue quem não quer”.

Quando o corpo da mulher, o corpo real, passou a ser proibido? Não pode mostrar dobras, marcas, pêlos, estrias, celulites, rugas, tudo que a gente tem, que todo mundo sabe que tem. É um antagonismo surreal: sabemos que o corpo é corpo, mas acreditamos que ele é aquele plástico que nos vendem nas revistas.

Miga: ninguém é daquele jeito.

Aquilo não é nada mais que uma mentira.

Simples assim.

Desconstruir conceitos é um processo. Um processo trabalhoso, demorado, não é fácil e pode ser doloroso. Mas nada é pior do que a dor constante da busca por uma ilusão. Uma luta que não se pode ganhar, pois dentro desse conceito a gente não pode nem envelhecer mais. E, acredite, todas vamos envelhecer. O que queremos é envelhecer em paz com nossos corpos, nossas curvas, nossas marcas, pois, a partir do momento em que travamos uma luta contra nós mesmas, a gente já perdeu.

Trégua para com esse corpo que nos traz tanta coisa boa! Ele nos leva para tantos lugares incríveis, nos proporciona sentir um abraço, um beijo, a chuva no rosto, a água do mar, o sol, a brisa, o sexo, a vida. Nosso corpo merece ser amado!

É esse o processo que venho trabalhando através da fotografia, um processo de encontro, de reconhecimento, de perdão. Vamos perdoar nosso corpo por não ser “perfeito”. Através disso conseguimos retirar a culpa que nos foi entuchada guela abaixo pela sociedade e compreender que, na verdade, não há o que perdoar. Que é ok sermos de verdade, não sermos bonecas de cera. É ok termos dobras, cicatrizes, estrias, tudo que mostra as experiências que passamos na vida. É ok ter mais quilos do que dizem por aí que deveríamos ter. E é ok ter menos também. Não é uma competição, estamos todas nessa luta juntas.

Compreendemos também que esse processo é uma luta diária. Como fomos tão bombardeadas pelas repressões e julgamentos durante tanto tempo, eles foram absorvidos em nosso subconsciente de forma muito profunda. Assim, a desconstrução também leva tempo. A semente é plantada e precisa ser regada todos os dias, várias vezes por dia. E é ok quando a gente não conseguir. Quando a gente acordar se detestando, a gente pode lembrar que não é fácil mesmo. E aí a gente continua tentando. E a gente vira mais gente. E essa mais gente cria uma rede de apoio, de resistência, de empatia, porque amar nosso corpo numa sociedade que praticamente nos obriga a odiá-lo é um ato revolucionário.

Assim, eu considero meu trabalho mais do que um ensaio fotográfico, trata-se de um ritual. Há todo um processo no qual procuro conduzir a união da mulher com seu próprio corpo e registrar esse momento em forma de imagens. Imagens que são poderosas, capazes de iniciar um processo de uma beleza ainda desconhecida até por nós mesmas. Isso porque uma sociedade composta de mulheres que se amam, se consideram capazes, confiantes e empregam seu tempo e sua energia não para conquistar o tão irreal corpo “perfeito”, mas sim para criar, realizar, questionar e descobrir uma série de outras coisas tem uma força inimaginável. Uma sociedade de mulheres livres, fortes e realizadas é o maior perigo para o patriarcado.

Por isso, migas, a revolução será feminista.

Será não, já está sendo.

E nós estamos construindo isso juntas.

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