A conferência sobre racismo

Fonte: Jonral Correio Braziliense – Coluna Opinião

A sociedade, após 112 anos da abolição da escravatura, permanece exposta a múltiplos mecanismos de discriminação e marginalização social

A ONU decidiu convocar a III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Conexas de Intolerância, que será realizada em final de agosto de 2001 na África do Sul, com o objetivo de avaliar a situação dos países em relação a essas temáticas, bem como elaborar recomendações de políticas públicas para a erradicação dessas práticas e promoção e valorização das populações discriminadas do mundo.

Ao longo dos anos 90, as várias conferências convocadas pela ONU deram visibilidade a problemas críticos de nosso tempo: meio ambiente e desenvolvimento (Rio, 1992); direitos humanos (Viena, 1993); população e desenvolvimento (Cairo, 1994); desenvolvimento social (Copenhague, 1995); mulher, desenvolvimento e paz (Beijing, 1995); habitação (Istambul, 1996). Essas conferências ampliaram a consciência mundial sobre tais questões e recomendaram aos Estados medidas para o seu equacionamento.

Espera-se que a conferência da África do Sul possa produzir idênticos resultados, em relação aos problemas de racismo, discriminação racial/étnica, cultural e religiosa, xenofobia e intolerância no Brasil e no mundo.

No plano nacional, a conferência sobre racismo constitui uma oportunidade ímpar a fim de que o Estado e o conjunto da sociedade realizem atos concretos para o enfrentamento decisivo desse componente estrutural das nossas contradições sociais que é a desigualdade racial gerada pelo racismo e a discriminação.

 

O brasilianista Thomas Skidmore, em um dos seus artigos, questiona-nos sobre a reserva moral da sociedade brasileira para o enfrentamento do problema. Ele afirma que ‘‘o Brasil é, hoje, de muitos modos, uma sociedade não orientada por méritos e suas práticas atuais de contratação e promoção são partes intrínsecas de um sistema social patrimonial…” E pergunta-nos ainda Skdimore: ‘‘O Brasil tem uma tradição suficiente de usar agressivamente a lei para proteger suas minorias? O Brasil está pronto para reconhecer históricas injustiças contra minorias e mulheres? Os líderes religiosos do Brasil, intelectuais, líderes sindicais, líderes de negócios, entre outros, estão preparados para aceitar uma denúncia moral de sua sociedade atual e passada?” Essas são as questões com as quais a sociedade deste país terá que defrontar-se nos próximos meses de preparação do posicionamento do Estado brasileiro na III Conferência Mundial contra o Racismo.
A conferência, pela repercussão no plano nacional e internacional que deverá ter, poderá contribuir definitivamente para a conscientização de nossa sociedade sobre a injusta desigualdade de oportunidades à qual os negros se acham submetidos no Brasil. Ela deverá evidenciar também que as discriminações sofridas pelos negros têm efeitos negativos para todo o país: para a consolidação de nosso processo democrático; para o nosso desenvolvimento econômico, social e cultural; e para a própria unificação da nação brasileira na medida em que o racismo e a discriminação mantêm perto de metade da população do país à margem do desenvolvimento social, vítima de uma abolição inconclusa que não foi acompanhada de nenhuma política de inclusão da massa de ex-escravos que, ao contrário, foi relegada socialmente mediante uma política eugênica de branqueamento da sociedade pelo estímulo da imigração européia, e de políticas de exclusão, o que impediu o acesso democrático dos negros à educação formal, aos bens culturais, e limitou suas possibilidades de participação política e nas instâncias de poder. Uma população que, após 112 anos da abolição da escravatura, permanece exposta a múltiplos mecanismos de discriminação e marginalização social sem que nenhuma política pública efetiva de combate ao racismo e de promoção da igualdade racial seja implementada apesar de o problema já estar suficientemente diagnosticado por meio de inúmeras pesquisas realizadas por instituições governamentais e não-governamentais e amplamente divulgadas.

A conferência sobre racismo será, portanto, uma oportunidade para avaliarmos a vontade política da sociedade e do Estado brasileiro para construir no novo milênio um outro tipo de sociedade em que raça, cor e etnia não se constituam mais elementos estruturantes dos privilégios e desigualdades que conhecemos; instrumentos de rebaixamento da condição humana de segmentos sociais; fator de perda ou desperdício de vidas e talentos que poderiam contribuir para o desenvolvimento do país. Enfim, uma sociedade em que a diversidade de raça/etnia, cor e cultura possa se tornar o nosso maior patrimônio e fundamentar a construção de um exemplo inequívoco de sociedade racialmente democrática para o mundo.

Afinal, o país que foi capaz de inventar o mais belo mito de democracia racial que se conhece no mundo deve ser também capaz de torná-lo realidade.

+ sobre o tema

Os prós e os contras

Fonte: Jornal Correio Braziliense - Coluna Opinião Há anos vimos...

Genuflexão contra as mulheres, por Sueli Caneiro

Durante cinco meses, a Comissão Tripartite para a revisão...

O lugar das novas pautas políticas

Na semana passada, ocorreu o seminário O papel da...

Sintonia fina, por Sueli Carneiro

De 26 a 28 de julho de 2006, Brasília...

para lembrar

Respeito

Fonte: Jornal Correio Braziliense - Coluna Opinião A cor da...

Intelectuais negros estão fora da bibliografia, criticam especialistas

Abdias Nascimento, Clóvis Moura, Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Jurema...

Mais um Passo

Na III Reunião do Comitê Preparatório da Conferência Mundial...

Pela Igualdade Racial

Notícias auspiciosas dão conta de que o novo governo,...
spot_imgspot_img

Mais um homem no STF reforça a importância de uma mulher negra na Corte

Com a oportunidade disruptiva de mudar a quadra histórica, no que diz respeito à composição do Supremo Tribunal Federal, o presidente Lula anunciou nesta...

Como se combate o racismo no mundo? Evento de Geledés responde 

O evento “Estratégias de Combate ao Racismo Global” promovido nesta quarta-feira 31, em Nova York, por Geledés-Instituto da Mulher Negra, como um encontro paralelo...

Leia o discurso de Sueli Carneiro no Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS)

Bom dia a todas, todos e todes. Sr. Presidente, Brasileiras e brasileiros de todos os quadrantes do nosso país gostariam de ter a oportunidade que me...
-+=