Cresce número de universidades que adotam cotas na pós-graduação

De um total de 108 universidades públicas, só 29 regulamentam cotas na pós-graduação. Mas o número está crescendo, mostra levantamento da pesquisadora Anna Carolina Venturini, pós-doutoranda no Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

Ela diz que as cotas são essenciais para levar diversidade à produção científica. “É fundamental ter pessoas com diferentes identidades, origens e perspectivas, para produzir um conhecimento mais representativo da população e pensar problemas importantes.”

Como o Brasil ainda não tem regulamentação federal sobre isso, as ações afirmativas para pretos, pardos e indígenas em nível de pós são iniciativas das próprias instituições.

A mais recente partiu da Universidade Federal de Pernambuco, que em maio deste ano tornou as cotas obrigatórias em todos os programas.

Já a primeira universidade a formalizar esse sistema para mestrado e doutorado foi a Uneb (Universidade do Estado da Bahia), em 2002. Segundo o professor Wilson Mattos, da comissão responsável pela resolução, não havia na época muito debate, e a medida foi aprovada sem resistência.

O pioneirismo da Uneb foi essencial na vida de Ivy Guedes, 58. Nascida em São Paulo, filha de pedreiro e costureira, ela se mudou para a Bahia, onde estudou educação física e seguiu para a pós-graduação.

Ivy entrou no mestrado em 2004, em uma das primeiras turmas após as cotas. Em 2010, voltou para o doutorado, de novo via política de cotas.

Hoje, é professora na Universidade Estadual de Feira de Santana. “Faço questão de me apresentar como doutora cotista, tenho que legitimar o que me foi tão importante.”

Somente em 2015, a UFG (Universidade Federal de Goiás) se tornou a segunda instituição a definir cotas para os cursos de pós-graduação.

Em 2015, 7,8% dos pós-graduandos da UFG se declaravam negros. Hoje, 26,5% deles se reconhecem como tal. Uma parte dos estudantes, porém, não declara cor ou raça.

Um beneficiado é o doutorando em zootecnia Rogério Cardoso, 31. Nascido no quilombo Rio das Rãs, em Bom Jesus da Lapa (BA), ele se formou em engenharia agronômica.

Depois foi aprovado no mestrado em zootecnia, na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Em busca de oportunidades, tentou o doutorado em Goiás. Graças às cotas, foi aprovado.

Rogério vê falta de incentivo para que pessoas negras sigam nos estudos. “Para muitos, o caminho é terminar o ensino médio e ir trabalhar”, diz.

Para Luiz Mello, professor de sociologia da Faculdade de Ciências Sociais da UFG, os bons resultados das cotas na graduação reforçam a ideia de uma lei na pós-graduação.

A UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) tem resolução que autoriza os programas a adotarem cotas, mas não as torna obrigatórias.

A despeito de não ter resolução, a Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) incentiva a criação de ações afirmativas para negros e, segundo a pesquisa de Venturini, todos os cursos da instituição adotam cotas.

O Rio de Janeiro é o único estado do país a ter uma lei que institui o sistema de cotas na pós. As três universidades estaduais fluminenses adotam ações afirmativas em todos os cursos de pós desde 2014.

Em nível federal, o projeto de lei 3.402, de 2020, tramita na Comissão de Educação da Câmara. Uma audiência pública está prevista para o dia 27 de setembro.

A proposta é inserir o nível de pós-graduação na lei federal 12.711, que regulamenta a política de ações afirmativas.


QUEM TEM COTAS NA PÓS-GRADUAÇÃO E DESDE QUANDO

2002
Universidade do Estado da Bahia (Uneb)

2015
Universidade Federal de Goiás (UFG)

2016
Universidade Federal do Amazonas (Ufam)

Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

2017
Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Universidade Federal de Roraima (UFRR)

Universidade Federal do Tocantins (UFT)

Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM)

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Universidade Federal de Pelotas (UFPel)

Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)

Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)

Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)

Universidade Federal do Amapá (Unifap)

Universidade Federal de Sergipe (UFS)

Universidade Federal do Pampa (Unipampa)

2018
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)

Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)

Universidade Federal de Alagoas (UFAL)

Universidade Federal de Viçosa (UFV)

2019
Universidade Federal do Rio Grande (FURG)

Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab)

Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf)

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)

Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa)

2020
Universidade de Brasília (UnB)

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

2021
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

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