“Deixa isso pra lá?” por Mauricio Pestana

enviado para o Portal Geledés por Maurício Pestana

Em pleno diada Abolição da Escravatura, celebrada hoje 13 de maio, e perto da Copa do Mundo, três fatos chamaram a atenção e mostraram como ainda são difusas, estranhas e contraditórias as questões raciais dentro do nosso Brasil. Estamos falando do episódio ocorrido com o jogador Daniel Alves, da eleição controversa – aos olhos da mídia – da atriz Lupita como a mulher mais bonita do mundo, e da morte do grande Jair Rodrigues.

Comecemos pelo Daniel. O jogador comeu uma banana que foi lhe atirada durante o jogo Barcelona e Villarreal, válido pelo campeonato espanhol. Sua atitude provocou reações nos quatro cantos do planeta. No Brasil, o que se viu foi uma grande discussão sobre Daniel ter acertado ou errado ao reagir desta forma, já que é discutível se tal comportamento reforça estereótipos ou encoraja uma luta antirracista dentro e fora dos gramados.

Aproveitando o momento, várias celebridades como Neymar, Luciano Huck, Ivete Sangalo, entre outras, posicionaram-se a favor de Dani Alves, postando em suas redes fotos comendo ou segurando bananas, com a frase viral “#somos todos macacos”. Também é discutível até que ponto essas pessoas realmente preocupam-se com a questão racial ou se estavam apenas querendo parecer solidárias. Fato é que as imagens e vídeos viraram uma febre nas redes sociais.

Esses episódios aconteceram posteriormente a atriz Lupita Nyong’o (vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante por sua atuação em “12 Anos de Escravidão”) ser apontada como a mulher mais bonita do planeta, em eleição realizada pela revista People. Mais discussões vieram à tona, já que “não é normal” uma negra desbancar as concorrentes de estética europeia, sempre favoritas nesse tipo de premiação.

A morte de Jair Rodrigues comoveu a todos que acompanhavam e gostavam do cantor de “Disparada” e “Deixa isso pra lá”. Mas o que esses fatos têm em comum, além dos personagens serem negros? Todos são figuras públicas e vivem ou viveram o show business. Um jogador, uma atriz e um cantor mostraram que a mídia repercute assuntos relacionados aos negros, mas só fazem isso quando o personagem tem fama. Excluindo essas classes minoritárias, somente Joaquim Barbosa ou um infrator teria espaço nos meios de comunicação.

Os ativistas negros dos anos 80 estavam corretos quando diziam que não demoraria para que a farsa da democracia racial no Brasil caísse por terra. Depois da luta por direitos civis no final da década de 1960, nos Estados Unidos, e das manifestações pelo fim da apartheid, na África do Sul, seríamos nós a bola da vez na questão racial no século 21. O país de maior população negra fora da África em todo o mundo.

A crise na Europa e o olhar cada vez mais preconceituoso em cima dos milhões de africanos, latinos e asiáticos que disputam mercado de trabalho e buscam oportunidades no velho continente tem reacendido ideias e práticas racistas. O Brasil, com os seus problemas raciais longe de serem resolvidos, mas obrigado a se posicionar como nação em ascensão política e econômica que é, demonstra que as politicas públicas existentes ajudam, mas muito ainda precisa ser feito na área de combate ao racismo. Afinal, slogans do tipo “somos todos macacos” podem repercutir mundo afora, mas na prática nada mudam. E são esquecidos em uma semana.

Com aproximação da Copa, os dias que virão prometem ser dramáticos para aqueles que sempre evitaram tocar no assunto racismo. Vamos receber torcedores de todo o mundo e principalmente do continente europeu, logo o tema dificilmente passará “em branco”.

Enquanto isso, vamos preparar nossos corações e relembrar “Disparada” e ”Deixa isso pra lá”, de Jair Rodrigues, cantor que mesmo não sendo um ícone da luta pela igualdade racial, foi um exemplo concreto de orgulho de ser negro, junto com a sua bonita família. Mas não deixemos pra lá a luta, porque ela precisa continuar.

 

 

Maurício Pestana é Secretário Adjunto da Secretária Municipal de Promoção da Igualdade Racial da cidade de São Paulo

 

** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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