Denúncia de figurinista reverbera campanhas anteriores e reforça combate ao assédio

Mobilização contra José Mayer, marco feminista e chamado às empresas

no El País

Quando a figurinista Susllem Tonani tomou a decisão de publicar um texto acusando o ator José Mayer de assédio sexual sistemático (foram cerca de oito meses) estava sozinha e não estava. Sua decisão foi solitária, mas veio depois de anos de mobilizações feministas que buscam tirar da invisibilidade as mulheres e seus onipresentes relatos de assédios sofridos e emudecidos. E, se estava sozinha no momento da publicação, poucos dias depois se viu apoiada por uma mobilização de funcionárias que adotou a hashtag #MexeuComUmaMexeuComTodas e ganhou as redes sociais. Agora, analisam ativistas e pesquisadoras do tema, a história de Tonani é mais uma pedra, mais um marco, que oferecerá amparo para outras vítimas de abuso sexual em ambientes de trabalho.

“O caso trouxe para o centro do debate situações que ocorrem em empresas e instituições públicas, mas que ficam em geral restritas à vítima”, diz Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres Brasil. “A mobilização que se seguiu à denúncia revela união na defesa de direitos das mulheres em ambientes de trabalho, além de mostrar para outras empresas que políticas e mecanismos eficazes para que as queixas das trabalhadoras sejam escutadas são necessários”, argumenta Gasman. Em uma cartilha desenvolvida pela instituição das Nações Unidas, empresas privadas são orientadas a ter uma política de tolerância zero contra qualquer tipo de assédio, além de criar mecanismos claros, eficazes e de responsabilização de atos.

Segundo a diretora-executiva do Instituto Patrícia Galvão, Jacira Melo, o assédio vivido por Tonani e o desenrolar dele foi exemplar por diferentes motivos. Primeiro, porque ao reagir e expor o caso, Tonani elevou o enfrentamento de assédios a um ponto sem volta: “É claro que outras mulheres que agora sofrem assédio em uma condição de invisibilidade vão se sentir encorajadas”. Segundo, porque apesar de um intervalo de alguns dias, a posição corporativa da TV Globo foi rápida e muito simbólica. “Estamos falando da maior emissora do Brasil e isso, com certeza, terá um impacto sobre os departamentos de recursos humanos e a mentalidade de muitas outras empresas no país”, diz Melo. Terceiro, por fim, está a carta de Mayer que, apesar de ser claramente de “redução de danos” e de fazer uma tentativa de individualizar a questão, como se esse episódio fosse um ponto fora da curva, não deixa de ser uma confissão.

A exposição do caso revela também que o assédio pode ter diferentes facetas, reflete Juliana Faria, criadora da Think Olga, ONG feminista. “O tipo de violência praticada por Mayer foi, antes de atingir o extremo, algo que as pessoas têm dificuldade de encaixar na cultura do estupro”, diz. “Se foi uma cantada, há quem diga que foi só uma palavra. Se foi passar a mão no cabelo, no ombro, há quem diga que foi só um carinho. Só que isso depende do consentimento. Houve consentimento? Tudo depende disso”, continua. E há um caminho que vítimas de assédio devem seguir? “É complicado falar de um passo a passo, porque a discussão não pode passar apenas pelo que a vítima deve fazer, mas por como a sociedade e as empresas lidam com o assédio”, completa.

Nesse sentido, Melo acredita que o caso representa um marco, pois ajudará também na percepção que há sobre o que é assédio e o que não é. “E, mais importante, é um marco que tem a ver com a percepção pública, criada a partir da mobilização das novas gerações, de não tolerar mais esse tipo de coisa”, diz Melo. “Culpar a idade, como fez Mayer, não dá. Mas, de fato, os tempos são outros e, se a Susllem tomou uma decisão sozinha, ela não estava, de fato sozinha”, completa. Uma prova concreta e numérica disso está, por exemplo, no aumento de ligações para o 180, número da Central de Atendimento à Mulher, do Governo Federal.

Criado em 2005, o serviço está disponível 24 horas por dia no Brasil e mais 16 países e tem como função orientar e encaminhar mulheres brasileiras vítimas de assédio – ou qualquer pessoa que queira fazer uma denúncia ou receber orientação sobre a legislação vigente. Se em 2015, o 180 já tinha batido recorde de atendimento, com 749 mil ligações; em 2016, ano dos últimos dados disponíveis, o número pulou para 1.133.345. O aumento exponencial é creditado não só ao enraizamento do serviço, mas também ao fato de que a violência contra a mulher está mais visível, mais gritante, como atesta o desfecho da história de assédio sofrida por Tonani.

+ sobre o tema

Mostra “Rio Festival Gay de Cinema” levanta debate sobre sexualidade

Evento terá debates, oficinas e seminários paralelos às exibições. Um...

Por uma educação que reconheça as lideranças negras

Texto escrito especialmente para o portal do Instituto Paulo...

As garotas nigerianas roubadas

Texto de Alexis Okeowo. Tradução de Camila Pavanelli de...

para lembrar

Assembleia Geral da ONU aprova criação de agência para as mulheres

Deliberação atende proposta do UNIFEM de garantir expressiva presença...

19 coisas pelas quais NENHUMA mulher deve pedir desculpas

1. Existir em um corpo, não importando a aparência...

Marido mata mulher após ameaça em perfil de rede social

No perfil atribuído ao autor do crime, foi postada...
spot_imgspot_img

Festival Justiça por Marielle e biografia infantil da vereadora vão marcar o 14 de março no Rio de Janeiro

A 5ª edição do “Festival Justiça por Marielle e Anderson” acontece nesta sexta-feira (14) na Praça da Pira Olímpica, centro do Rio de Janeiro,...

Mês da mulher traz notícias de violência e desigualdade

É março, mês da mulher, e as notícias são as piores possíveis. Ainda ontem, a Rede de Observatórios de Segurança informou que, por dia,...

Mulheres negras de março a março

Todo dia 8 de março recebemos muitas mensagens de feliz dia da Mulher. Quando explicamos que essa não é uma data lúdica e sim de luta...
-+=