Nesse tempos de Covid-19, ficamos a refletir o quanto as desigualdades de gênero, raça e classe se tornaram ainda mais expostas no Brasil e passamos a assistir aos debates em mídias digitais de diversas entidades, sindicais, coletivos, redes, cientistas e pesquisadores negros e também de organizações do Movimento de Mulheres Negras, dentre outros atentos a esse cenário, já acentuado pelos cortes de recursos educacionais nas universidades públicas e nas pesquisas científicas, o congelamento de investimentos em saúde e as reformas neoliberais.
Essa preocupação torna-se crescente e para com as comunidades mais vulneráveis da classe trabalhadora, entre elas a população negra em toda a sua diversidade, especialmente as mulheres negras, segmento que faz parte de grupos de risco, enquanto sujeitos sociais que cotidianamente já vem enfrentando historicamente as dificuldades dada a ausência de políticas públicas de inclusão social.
No Brasil, onde negros e negras são vítimas das desigualdades sociais e raciais, do preconceito e da discriminação racial, esse tempo de coronavírus acentua ainda mais a crise e as consequências de reformas neoliberais, tornando-se mais nítido e agravante a situação para todos, sobretudo para as mulheres negras.
As mulheres negras são a maioria e estão em sua maior proporção nas regiões Norte e Nordeste do país, e sua vulnerabilidade ao desemprego é 50% maior, tanto é que o Dossiê Mulheres Negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada já mostra indicadores da mulher negra relacionados às políticas públicas em educação, mercado de trabalho, acesso a bens e serviços, tecnologias digitais, condições de pobreza e situação de violência.
Em linhas gerais, pensamos nas consequências desse cenário mundial e como impacta na vida das mulheres negras, em sua resistência contra o vigente racismo estrutural, a violência e pelo bem viver. Exemplo preocupante vem dos Estados Unidos onde em 20 mil óbitos e meio milhão de infectados, 70% são negros e hispânicos por motivos do subemprego e falta de acesso à saúde.
A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra Brasileira, em 2017, aponta entre as doenças mais comuns, genéticas ou hereditárias nessa população estão: anemia falciforme, diabetes mellitus, tipo 2 (atinge em percentual maior as mulheres negras), hipertensão arterial e deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase, o que coloca essas pessoas em linha de risco.
Em uma sociedade racista, não será diferente para as mulheres negras, nesse tempo de coronavírus já chegando em seus territórios.
Além disso, muitos são pobres e grande parte está concentrada nas periferias, prisões, favelas, nos empregos precários nos quais negros/as e mulheres negras estão na base, como destaque recente as trabalhadoras domésticas que contraíram a doença. Também estão nos quilombos e enfrentam a ausência de políticas públicas inclusivas, especialmente de saúde, 30% composta homens e mulheres idosas.
Mesmo com as medidas adotadas no Brasil, já soma até hoje mais de mil mortes por coronavírus, 80% dos que dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS) se autodeclaram negros/as, muitos sem ter condições de vida digna em suas comunidades em decorrência de processos econômicos injustos.
Nesse contexto, a Rede de Mulheres Negras do Nordeste, atuante em todos os nove estados da região, publicou uma carta aos governos e demais gestores públicos com recomendação e medidas preventivas ao coronavírus (covid-19), fazendo um chamamento sobre a questão da população negra e pobre como as que serão mais vitimadas da pandemia; e apontando nosso país como uma nação onde seus impactos letais podem bater recordes e conclui conclamando ao reforço de cuidados aos mais vulneráveis como medida de proteção a toda população.
Portanto, continuamos acreditando nas políticas públicas afirmativas e em mudanças na estrutura social, como medidas para a diminuição das desigualdades sociais e raciais.
*Ady Canário de Souza Estevão é graduada em Letras pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Mestre e Doutora em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Professora do Departamento de Ciências Humanas da Universidade Federal Rural do Semi-Árido, tendo sido Coordenadora Geral de Ação Afirmativa, Diversidade e Inclusão Social. Atualmente é pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero, Relações Étnico-raciais, Aprendizagens e Saberes (NEGRAS).