Dia Internacional da Mulher Indígena

Hoje, 05 de setembro, é Dia Internacional da Mulher Indígena. A data foi instituída em 1983, durante o II Encontro de Organizações e Movimentos da América, em Tihuanacu (Bolívia). A escolha desse dia foi feita porque em 05 de setembro de 1782 morreu Bartolina Sisa, mulher quéchua que foi esquartejada durante a rebelião anticolonial de Túpaj Katari, no Alto Peru. A ONU Mulheres marcou a data reafirmando o apoio às mulheres indígenas na busca por justiça e em defesa dos direitos individuais e coletivos.

Texto de Bia Cardoso.

Tanto no Brasil, como em outros países da América Latina, as mulheres indígenas desempenham historicamente um papel fundamental como agentes de mudança nas famílias, comunidades e na vida de seus povos. Porém, a cultura indígena sempre foi tratada com muito desprezo no Brasil, fora a imagem caricata com que os indígenas são representados e a apropriação que se faz de sua cultura. A ONU Mulheres destaca também que as indígenas são essenciais em diversas economias, trabalhando por segurança e soberania alimentar, além do bem-estar das famílias e comunidades.

As mulheres indígenas acabam sendo um grupo que pouco ouvimos falar — até mesmo pouco pensamos — quando falamos de Feminismo. Além do cotidiano indígena estar muito longe da maioria das pessoas, temos o problema do desrespeito brutal a essa etnia. Os povos indígenas brasileiros são tratados como cidadãos de segunda classe, tendo suas vidas decididas por medidas governamentais arbitrárias e vivendo em constante conflito por disputas de terras. As mulheres indígenas acabam sendo alvos de violência sexual, ameaças e assassinatos. Fora as dificuldades em relação a saúde e educação.

Em texto de 2011, Mayara Melo fala sobre alguns aspectos que afetam diretamente as mulheres indígenas brasileiras:

As mulheres indígenas são as mais gravemente afetadas pelo modelo de desenvolvimento econômico imposto no Brasil. São elas que sofrem de forma mais contundente os impactos provocados sobre o meio ambiente. Quando os indígenas perdem acesso aos recursos ambientais que garantem sua segurança e soberania alimentar, são as mulheres as mais penalizadas, pois geralmente são elas as responsáveis por cuidar da alimentação. Essa é uma característica comum a muitas comunidades tradicionais. Também são elas as mais impactadas pelas grandes obras que perturbam o modo de vida de suas comunidades. Referência: Mulheres indígenas – violência, opressão e resistência.

Violências contra mulheres indígenas

Já publicamos uma denuncia de ameaça de estupro no texto: Mulheres indígenas sofrem ameaça de estupro na Bahia. Um recente estudo das Nações Unidas ressalta que a violência contra meninas e mulheres indígenas é pouco discutida e velada na maioria dos países. Em todo mundo, povos indígenas sofrem com a exclusão social, a pobreza e a migração, além da discriminação e da invisibilidade social. O estudo mostra que a violência contra as indígenas é intensificada pelo histórico de dominação colonial, exclusão política e econômica e a falta de serviços básicos. Enfrentam ainda negligência, exploração, tráfico humano, trabalho forçado e escravo.

A exploração sexual de mulheres e meninas indígenas é um problema crescente. Esse ano, O Ministério Público Federal do Amazonas (MPF/AM) denunciou à Justiça Federal dez pessoas suspeitas de praticarem diversos crimes relacionados à exploração sexual de crianças e adolescentes indígenas, no município de São Gabriel da Cachoeira. O esquema criminoso, segundo denúncias, envolve vítimas de até 10 anos, negociadas por presentes e valores como R$ 20.

A violência doméstica também está presente no cotidiano das indígenas. Porém, por não terem participado do processo de elaboração da Lei Maria da Penha, a legislação não contempla as especificidades indígenas, como alerta em entrevista Léia Bezerra, historiadora e indígena do povo wapichana:

Os homens indígenas são violentos com suas mulheres?

A violência vem crescendo desde que os hábitos do mundo externo começaram a ser introduzidos nas aldeias, como o alcoolismo e uso de drogas. A falta de terra, de programas eficazes que tragam benefícios para os jovens, de políticas públicas em geral também fazem com que a violência aumente. Outro problema relatado pelas mulheres indígenas é que muitos homens, ao saírem para trabalhar na cidade, não são valorizados como eram antes internamente na sua comunidade. Voltam frustrados e o primeiro alvo é a família, a mulher, os filhos.

A Lei Maria da Penha contempla as necessidades das mulheres indígenas?

As mulheres indígenas não participaram da elaboração dessa Lei e, portanto, não há um olhar específico para a cultura, para as etnias. Há leis internas – os diferentes povos têm distintas formas de resolver seus problemas – que devem ser respeitadas. Buscar mecanismos externos, que não foram criados por eles, é complicado. Mas não podemos deixar de informar que existem. As leis internas devem ser valorizadas, mas para resolver problemas que foram introduzidos nas aldeias, como o álcool, precisamos da ajuda externa. Há povos que, quando um homem comete violência doméstica, retiram o agressor da aldeia para que passe um tempo prestando serviço para outra comunidade. Referência: Lei Maria da Penha chega aos homens indígenas.

 

Saúde e educação nem sempre para todas

Já falamos sobre a saúde da mulher indígena no texto: Mulher indígena: como anda a sua saúde? Saúde e educação estão sempre entre os itens precários nos governos, quando se trata dos indígenas o cenário é de mais abandono. Em novembro desse ano será realizada a 5° Conferência Nacional de Saúde Indígena.

Em 2012, o Ministério da Saúde lançou um Plano de Ação com o objetivo de reduzir a mortalidade infantil e materna na população indígena, em aldeias de todo o Brasil, visando ampliar as ações de saúde indígena, com foco na atenção básica. A morte de mães indígenas muitas vezes está relacionada a falta de acompanhamento durante a gestação e o parto, além de barreiras culturais e falta de assistência médica adequada às necessidades específicas dos indígenas. É visível que, assim como as atuais políticas de saúde direcionadas a mulher, as ações do Ministério da Saúde em relação as indígenas também estão focadas na maternidade e não numa perspectiva global de saúde feminina.

Esse ano, foram divulgados dados da Pesquisa “Prematuridade e suas possíveis causas” que revelou a prevalência de partos de crianças prematuras é de 11,7% em relação a todos os partos realizados no país. Um fator que chama atenção no estudo é como a cor de pele e a etnia influenciam na prevalência da prematuridade. As mulheres indígenas apresentam o maior percentual, de 8,1%. As mulheres de pele branca respondem pelo percentual de 7,8%, seguida pelas mulheres de pele negra (7,7%), parda (7,1%) e amarela (6,3%).

Na área da educação temos destaques recentes como o lançamento do Portal Índio Educa, uma plataforma online para que os índios desenvolvam materiais didáticos que contem sua história e atualidade. E, mês passado, Wilses de Sousa Tapajós foi a primeira indígena a concluir o curso de medicina da Universidade Federal do Tocantins (UFT).

As políticas públicas para Educação Escolar Indígena foram formuladas a partir da Constituição Federal de 1988, tornando-se um direito assegurado aos povos indígenas. Porém, o acesso a escolas e universidades ainda é muito limitado, tanto pela falta de escolas próximas as aldeias, como pela falta de políticas de inclusão no ensino superior.

Mulheres indígenas e política

É raro ver a presença de mulheres indígenas em espaços feministas. Esse texto é até mesmo uma tentativa de marcar uma data, pois é comum não tratarmos do assunto, nem mesmo conheço blogueiras indígenas. Há muita ignorância e estereótipos em relação as mulheres indígenas. É corriqueiro apontar que nas comunidades indígenas homens são dominantes e mulheres subordinadas, quando na verdade, as posições se alternam conforme as circunstâncias sociais.

As mulheres indígenas estão organizadas e reivindicando sua cidadania, historicamente possuem algumas vitórias, como mostra Maria Rosário de Carvalho:

As duas primeiras organizações brasileiras exclusivas de mulheres indígenas surgiram na década de 1980, sendo consideradas as pioneiras a Associação de Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (Amarn) e a Associação de Mulheres Indígenas do Distrito de Taracuá, rios Uaupés e Tiquié (Amitrut). Em 2000, em Assembleia da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) foi reivindicada a criação de um espaço para as demandas das mulheres indígenas. Em 2002, no decorrer do I Encontro de Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira, foi criado o Departamento de Mulheres Indígenas (DMI/Coiab), com o objetivo de defender os seus direitos e interesses nos vários âmbitos de representação, nacional e internacional.

Em 2006, pela primeira vez na história das políticas públicas pós-Constituição Federal de 1988, se incluiu num Plano Plurianual (PPA) uma ação específica para as mulheres indígenas: o Programa Identidade Étnica e Patrimônio Cultural dos Povos Indígenas, sob a responsabilidade da Fundação Nacional do Índio (Funai). Finalmente, em janeiro de 2007, foi criado, no âmbito da Funai, um departamento específico de mulheres indígenas.

A agenda de reivindicações recobre, em geral, a garantia dos territórios tradicionais, o direito à saúde e educação diferenciadas, pois o entendimento mais ou menos geral é que “o movimento de mulheres é para fortalecer o movimento em geral, a política dos povos indígenas é única”, como afirma Ângela Sacchi no artigo Mulheres indígenas e participação política de 2003. Referência: A questão do gênero em contextos indígenas.

Relatório divulgado recentemente, chamado: Cidadania Intercultural – Contribuições da participação política dos povos indígenas na América Latina; cita diversos fatores que ajudaram a impulsionar a participação política dos povos indígenas na região, mas destaca o fato de que a inclusão política das mulheres indígenas tem sido um grande desafio, uma vez que elas enfrentam uma discriminação tripla por ser mulher, indígena e pobre. Fundamental é conhecer e apoiar as demandas propostas pelas mulheres indígenas, além de lutar por seus direitos e apoiar sua resistência.

Bia Cardoso

Uma feminista lambateira tropical.

 

 

Fonte: Blogueiras Feministas

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