Em plenária, mulheres negras de Minas Gerais discutem desafios da população negra

No sábado (23), mulheres que integram a Rede de Mulheres Negras de Minas Gerais, realizaram a primeira plenária organizativa de 2019.

por Iris Pacheco enviado para o Portal Geledés

Plenária, mulheres negras de Minas Gerais discutem desafios da população negra - Foto: Larissa Amorim
Plenária, mulheres negras de Minas Gerais discutem desafios da população negra – Foto: Larissa Amorim

A atividade retoma processo iniciado em 2014, quando dezenas de mulheres mineiras se organizaram para participar da Marcha das Mulheres Negras em Brasília. Quatro anos depois, em 2018, foi o momento de se organizarem para a construção do Encontro Nacional das Mulheres Negras, ocorrido em Goiânia, em dezembro daquele ano.

Segundo Andreia Roseno, da Rede de Mulheres Negras de Minas, é preciso mudar a lógica sobre a qual a história é contada e entender como o sistema colonial agiu para nos dividir. Ela destaca que é fundamental entender a atuação das mulheres negras numa perspectiva de construção de unidade e resistência contra o opressor.

“O acesso ao conhecimento para disputar esse mundo burguês foi a ênfase no primeiro encontro nacional das mulheres negras. 30 anos depois, qual é a estratégia? Voltar para o conhecimento burguês ou já temos base para implantar uma cosmovisão ancestral africana?”, questiona Roseno.

A resistência é um dos principais desafios do nosso tempo, que opera para aprofundar as opressões e o genocídio da população negra, pontua. Para Roseno, “precisamos construir mecanismo de enfrentamento, de resistência, para sobrevivências coletivamente”. Ela ressalta que é fundamental dialogar com as nossas referências comunitárias negras. “A gente precisa romper com a base do pensamento eurocêntrico, com o silenciamento e a invisibilidade da nossa existência”.

Já a deputada federal, Áurea Carolina, destacou o processo de flexibilização ambiental e da mineração secular em nosso país, cujos corpos negros estão expostos a essas explorações. Áurea comenta sobre como o conhecimento ancestral africano nos foi usurpado para construir esse modelo violento.

Além disso, Carolina pontuou sobre a necessidade de construção do bem viver, que possibilita um giro na cultura política e outras formas de convivência econômica, política e social, inclusive pensando em consolidar uma rede de proteção e cuidados da comunidade negra junto a quem está diariamente nesse enfrentamento à opressão. “Nós que estamos nestes espaços temos a tarefa pesada de integrar agendas que são colocadas como fragmentadas, distintas, mas não são”.

Enquanto isso, no mesmo debate, a ex-Secretária de Estado da Educação, Macaé Evaristo, ressalta o desmonte da educação nesse cenário conjuntural. Para ela este é um tema onde historicamente há uma intensa atuação do racismo institucional, negando o direito da população negra a educação, daí o ataque a política de cotas.

“A educação do povo negro sempre foi muito assustadora para a elite brasileira. Nós, a população negra, para a elite branca desse país não deveria ter se escolarizado”, afirma.

De acordo Macaé, o desmonte da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI/MEC), que era transversal às demais unidades do Ministério de Educação (MEC), é um dos principais retrocessos quando falamos em garantia a uma educação pública de qualidade. Era essa pasta que assegurava o direito a educação do campo, indígena, quilombola.

Macaé ressalta que nesse momento a educação pública é sucateada, e se ensaia uma ampla privatização do ensino. Com a possibilidade do retorno ao ensino domiciliar e junto a isso uma recarga sobre a vida das mulheres. “É mais um mecanismo de controle dos corpos das mulheres”. Portanto, o debate que deve ser feito, “não é um debate corporativo da educação, é um debate sobre o direito à educação pública”.

Muitos são os impactos do atual processo em curso no país e a população negra está no centro dos ataques, das privatizações e dos desmontes. Diante desse cenário o encontro colocou como perspectiva de resistência a atuação em território, com ações territoriais e locais, mas que garantam a unidade e o diálogo em rede.

As propostas construídas buscam lutar pela liberdade religiosa, cujo próximo embate se dará com o julgamento no STF, em março, sobre legalidade de sacrifícios de animais em ritos religiosos. Também teve destaque nas ações de resistência o carnaval da resistência em Belo Horizonte. A Escola de Samba Raio de Sol homenageará Diva Moreira, mulher negra, cientista política e com trajetória de vida dedicada a transformação e a luta pela igualdade social.


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