Com livro novo, prefaciado por Lula, Tiburi é forçada a mudar-se do Brasil
por Afonso Borges no O Globo
Em que ponto o intelecto se descola da realidade? É comum conduzirmos momentos difíceis da vida, os grandes enfrentamentos, com uma boa dose de racionalidade. Marcia Tiburi tem esta qualidade que é, ao mesmo tempo, uma defesa. Moça de coração bom, que veio do interior do Rio Grande do Sul direto para o caldeirão fervente dos combates universitários. Dali, transportou a delicadeza para a literatura. Fez romances, grandes, gordos, deste que o Fernando Sabino dizia que paravam em pé. Foi ao ensaio, mandou recado para as crianças, os jovens, encarou os fascistas – com violência, quando necessário. Subiu aos palanques imaginando uma política nova. E trombou com a velha política. Parou e agora descansa carregando pedras: terminou um livro que se chama “O Delírio do Poder”. Editado pela Record, é um ensaio sobre o Brasil político de 2018 e as eleições. Ao mesmo tempo, traz uma narrativa interna sobre a participação de Tiburi na campanha do Rio. É um livro de testemunho e filosofia.
Ela conversa comigo:
– Neste livro eu conto histórias da campanha – todas as histórias que importam de verdade. Falo da dominação psicológica, sobre a guerra híbrida, a guerra da desinformação e as fake news que fizeram comigo. Falo também da visita ao Lula, junto com a Dilma, na prisão, das vicissitudes da esquerda, das pessoas que encontrei nas ruas, das mulheres com quem tive densos encontros políticos.
– Ah, estou fazendo um livro infantil com a minha irmã.
– E estou desenhando muito, também. Estou reescrevendo e desenhando “Filosofia Cinza” numa tela gigante e muito empolgada com isso. Ao mesmo tempo, escrevendo um novo romance sobre uma professora de filosofia que sempre estudou as teorias da verdade e, de repente, se tornou vítima de fake news. Está muito divertido.
Ontem recebeu um presente emocionante: uma carta de Luis Inácio da Silva que irá para a orelha do livro. Aqui está, na íntegra:
A Márcia Tiburi não falta coragem. Nas suas opiniões, ideias atitudes, ela não tem medo de arriscar, de dizer o que pensa e sente, de correr o risco de desagradar. Ela não vai se calar diante de uma injustiça ou para manter um espaço em um canal de TV. Ela não vai nunca abdicar da sua voz e das suas reflexões. Ela vai dizer e escrever o que ela pensa. O seu leitor pode ter certeza disso.
Conheci a Márcia pela sua coragem nas suas análises, opiniões, livros e na sua vida.
E ano passado ela teve a coragem de ir além de analisar e escrever sobre o cenário político para participar das disputas eleitorais, algo que pouca gente tem coragem de fazer.
A política é ao mesmo tempo a atividade mais exigida pela sociedade e a mais criticada. As pessoas exigem mais de um político do que muitas vezes exigem de si mesmas. E não importa quem seja o político, a satisfação a quem depositou sua confiança nele.
Claro que a política é cheia de falhas, porque é humana. Mas quando se nega a política, o que vem depois, e estamos vendo isso hoje no Brasil, é sempre pior.
Márcia, em um momento muito difícil do país, e em especial do Rio de Janeiro, teve a coragem de assumir o desafio de ser candidata, de se propor a cuidar da população, a conversar e entender seus problemas e aflições.
Eu sei que uma experiência dessas é transformadora e teve forte efeitos nas suas reflexões sobre o momento atual, tornado esse livro ainda mais interessante ao unir a cultura e teoria que a Márcia conhece com a sua experiência prática no desafio nas ruas, na imprensa, nas mídias sociais, em debater política no mundo de hoje.
Esse livro é mais uma coragem dela de pensar e agir livremente. Liberdade tão essencial ao ser humano. Porque podem prender a democracia, mas a cada quatro anos ele tem que sair na rua para pedir voto, no sol, na chuva, dando suor nos nossos corpos, mas é a coragem e o pensamento que nos fazem livres e não prisioneiros (Lula)
Mas nem tudo são “felicidades”. Marcia Tiburi, intimidada com ameaças, mudou-se do Brasil. Chegou o tempo nunca imaginado do exílio. Marcia cruzou a linha que separa a literatura do real ao se candidatar ao Governo do Rio pelo PT. Agora, vai pagar o preço. O preço no qual a razão comum, a sensatez, a filosofia e os argumentos não valem nada. Nada, mesmo.