Capa de Ultimate Spider-Man #1,
Hoje em dia vivemos numa sociedade foleira, onde não se pode dar um passo sem ouvir uma chuva de críticas irracionais e desprovidas de sentido. Somos atacados mesmo sem termos mostrado aquilo que realmente valemos e somos crucificados por erros que qualquer um poderia cometer num dia mau. Somos criticados por aquilo que somos num mundo onde não se respeitam as individualidades e se menosprezam as identidades únicas de cada um de nós. Imaginem o que é sentir isto pertencendo a uma minoria. Basta multiplicarem o sentimento por um número na casa das centenas.
Ao longo da sua existência, a Banda Desenhada tem servido para que o comum dos cidadãos se pudesse identificar com personagens que tanto apresentavam invencibilidade e poderes sobre-humanos nas suas batalhas como também apresentavam fraquezas na suas vidas sociais. A Banda Desenhada serviu para que miúdos lessem o Homem Aranha e percebessem que afinal não estavam sozinhos e que de facto valia a pena seguir em frente para mostrar a toda a gente que alguém importante estava ali. Serviu maioritariamente para entreter, mas não se pode negar o papel na construção da personalidade de muita gente que cresceu com este tipo de livros. E é a estas pessoas que este mundo pertence. Não a uma cambada de adultos pretensiosos, gananciosos e vergonhosos que pensam que todo o trabalho conjunto de um editora é feito para lhes agradar o cérebro. Falo das vozes de desrespeito desagrado que se têm ouvido nestes últimos dias em relação ao novo Ultimate Spider-Man que, para quem não sabe, é de origem Afro-Latina. Chama-se Miles Morales e sim, é negro. Isto pelos vistos anda a fazer comichão a muita gente, o que não me surpreende nada. É fantástico ler os comentários de alguns americanos pseudo-iluminados que julgam estar um patamar acima na cadeia existencial humana. Rich Johnston (@Bleeding Cool) fez questão de agrupar alguns pensamentos carregados de ódio no seu site, algo que gostava de partilhar aqui numa versão light.
“Shame on Marvel Comics! This is not diversity; this is a disgrace! Spiderman was Peter Parker, and Peter Parker was white. Create a new character if you want to prove that Marvel Comics is “diverse”. Minorities are typically less than 18% of the population, but they seem to get nearly 100% of the history. Why should white children not have a comic book hero that they can identify with?”
“More politically correct stupidity! If the Spider Man series I read in the Sunday papers EVER changes from good old white Peter Parker, I’ll simply cease to read it. If the PC nuts want to have super heroes who represent other ethnic groups along with various sexual perversions then let them create new ones from scratch and leave our time cherished traditional heroes alone!”
“That’s just dangerous. With spider powers, just think how much stuff he could steal, if he was not so lazy.”
Aposto a minha colecção do Transmetropolitan em como a Marvel está a adorar todo este mediatismo efervescente que rebentou em bastante poucas horas. Este assunto até foi capa nalguns jornais portugueses o que por si só revela o histerismo que se gerou à volta desta decisão editorial, que só deve soar estranha para quem realmente não conhece o mundo dos comics. O que não falta por aí são personagens negras, homossexuais ou extraterrestres, no entanto parece que se descobriu a pólvora. A desculpa que se utiliza é que não se pode tocar no pobre Peter Parker, uma personagem que tem um legado demasiado importante para ser destronado por um qualquer negro que apareça aí de repente.
a estreia de Miles Morales
As palavras acima citadas, vindas de iluminados americanos que defendem uma sociedade nazi, não me entram na cabeça. É triste ver como o mundo está cheio desta gente incendiária que nem uma simples opinião construtiva tem. É irrefutável que dentro de todos nós há um pouco de racismo, por mais pequena que essa porção seja, mas há certas pessoas que deviam ser torturadas pelo que dizem.
Eu não tenho nada contra com esta decisão no Universo Ultimate da Marvel. Aliás, este universo tem a característica de reinventar aquilo que de mais tradicional existe nesta editora e como tal é normal que apareçam personagens mais adaptadas aos dias de hoje. O Peter Parker em si não morreu, o que não faltam aí são outros comics que contam a história clássica deste herói. Simplesmente foi aberta uma nova porta a uma nova personagem, o que irá aumentar sem dúvida a diversidade dentro da Casa das Ideias. Para quem não se lembra, o Nick Fury versão Ultimate também é negro, ao invés do Nick Fury tradicional que é branco. Será assim tão escandalosa esta decisão? Eu sei que a Marvel só está à procura de dinheiro, mas também sei que dentro das pessoas que coordenam estas opções editoriais há alguém preocupado com estas causas sociais respeitantes às minorias étnicas. É interessante verificar que alguns dos editores da Marvel têm origens latinas, um detalhe que certamente terá contribuído para que Miles Morales visse a luz do dia. No entanto, os arquitectos desta nova vida do Ultimate Spider-Man foram, primeiramente, Mark Millar, que deu a ideia de matar Peter Parker e Brian Michael Bendis, que criou Miles Morales após ter demorado alguns dias a decidir qual o nome que deveria escolher para a personagem (e sim, a aliteração é propositada, como que uma homenagem a Stan Lee).
Será que os americanos republicanos nunca aprenderão que não estão sozinhos neste mundo e que há muito mais coisas por aí além da cor branca? Eu sei que um negro pode assaltar bancos e matar pessoas, mas também sei que Hitler e Anders Breivik eram brancos e cometeram actos de uma atrocidade inqualificável. A maldade não cresce com a cor, qualquer um de nós pode pegar numa arma e semear o caos pelo mundo fora. Não sou nenhuma activista pela paz social, mas fico perplexo ao observar como há algo de muito errado neste planeta.
Fonte: Área Negativa