O verão brasileiro, embora conhecido pelas belíssimas praias, férias escolares, o carnaval e as festividades que o antecedem, também é fortemente demarcado pelo período das fortes chuvas que, ano após ano, vêm deixando cenários catastróficos, principalmente nas zonas urbanas, que crescem desenfreadamente sem gestão e urbanismo.
Infelizmente, as pessoas mais atingidas por todos esses impactos, são pessoas que vivem em condições vulnerabilizadas. Pretos e pardos no Brasil, possuem menor acesso à água potável, às infraestruturas sanitárias, à moradia digna. Essa camada da sociedade é demarcada pelos reflexos da colonização escravocrata brasileira que suprimiu a oferta de direitos humanos aos negros desse país, os remetendo a condições de vida muitas vezes sub-humanas, e que, proporcionalmente, pouco se evoluiu com o passar dos séculos. Pretos e pardos permanecem sendo indivíduos que têm aspectos de vida com maior grau de insalubridade e são os mais acometidos por doenças diarreicas, doenças de veiculação hídrica e arboviroses.
Caso a relação não seja explícita, compete dizer que tais doenças estão diretamente relacionadas aos aspectos ambientais e climáticos.
As mudanças climáticas, que intensificam efeitos naturais, gerando fortes chuvas ou secas extremas, que também são reflexo de uma urbanização desenfreada e da ausência do comprometimento dos entes públicos em promover, de fato, um desenvolvimento urbano sustentável, corrobora para a intensificação de efeitos desastrosos nas camadas da população de baixa renda, que, não à toa, é caracterizada por uma maioria de indivíduos negros.
Desde a década de 70, Lélia González, Milton Santos, Abdias Nascimento – grandes pensadores negros brasileiros, denunciam a relação: ambiente – urbanismo – raça. Essa tríade caminha numa dinâmica descompassada, em que a população negra, em sua maioria, se afeta diretamente pelos efeitos dos desastres naturais, sejam esses: inundações, desabamentos, transbordamento de rios, perda de habitações, insegurança alimentar, aumento de doenças de veiculação hídrica, a ausência do fornecimento de água potável dentre outros impactos que atravessam as camadas mais vulnerabilizadas da população.
As inequidades raciais são transversais à vários setores da sociedade: à política, à economia, à saúde, à educação, ao saneamento. Não seria diferente, no âmbito dos aspectos ambientais. Refletir sobre as mudanças climáticas sem considerar os aspectos de étnico-raciais, é incorrer em medidas falhas, que não abordam com o devido cuidado cada cidadão brasileiro com suas características socioespaciais intrínsecas. Somos um país estruturalmente racista, que apartou os negros de direitos e acessos por séculos. As mudanças climáticas atacam em cheio essa população. Portanto, é urgente e necessário, um novo olhar do poder público para propor e pensar políticas públicas, estratégias e ações que enxerguem tal dicotomia em busca de reduzir as iniquidades, sobretudo as iniquidades raciais deste país.
Isabela Coelho Moreira – Eng. Ambiental, Especialista em Saneamento e Mestre em Políticas Públicas de Saúde