“A partir da COP 28, questão racial entra de vez no debate do clima”

Artigo produzido por Redação de Geledés

O termo “raça” não entrou no documento final da conferência da ONU, como desejava Geledés, mas elevou o nível de cobranças aos seus Estados membros

A 28ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas, a COP 28, chegou ao fim nesta quarta-feira, 13, em Dubai, nos Emirados Árabes, e já se pode concluir que Geledés – Instituto da Mulher Negra fez com que o debate sobre a questão racial passasse a fazer parte da agenda de discussões da ONU sobre os impactos das mudanças climáticas.

Durante a COP 28, a representante de Geledés, a socióloga Letícia Leobet, acompanhou presencialmente as salas de negociação onde os principais documentos e posições em que o Estado brasileiro esteve diretamente envolvido para identificar lacunas e criar um texto de recomendações sobre as temáticas que deveriam ser incorporadas à agenda global do clima. Foi um trabalho árduo, contínuo, de formiguinha, em que os esforços da organização se concentraram em argumentar a necessidade de haver a inclusão do tópico da população afrodescendente nos documentos para as políticas sustentáveis globais.

Com a intenção de instrumentalizar o governo brasileiro acerca do debate racial na área ambiental, Geledés elaborou um relatório detalhado, com demandas e reivindicações da organização, apresentado, em reunião prévia à COP, ao Itamaraty junto ao Departamento de Clima, à Secretária Nacional de Mudança do Clima, Ana Toni, e sua equipe do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, ao deputado federal Nilto Tatto, coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, além de ser encaminhado para as deputadas Talíria Petrone, coordenadora do GT Clima da Frente Parlamentar Ambientalista, e Carol Dartora, coordenadora do GT Racismo Ambiental da Frente Parlamentar Ambientalista, que estão na linha de frente da discussão de enfrentamento ao racismo ambiental na Câmara Federal.

Foto: Geledés

Nesse esforço, foi possível conseguir que o Estado brasileiro fizesse a proposição de incluir o termo “afrodescendentes” e associar raça e gênero em um dos principais documentos que estavam na mesa de negociação da COP: o GST – Global Stocktake ou Balanço Geral. A diplomacia se apresenta assim, nos bastidores, alinhavada por termos que não são apenas palavras, mas retêm importantes orientações aos Estados. Nesse caso, a ideia de Geledés era fazer com que a questão racial aparecesse no documento final da COP 28.

Durante toda a cimeira, Geledés se posicionou proativamente junto ao governo brasileiro e outras delegações em relação aos impactos do racismo ambiental, principalmente em relação às mulheres negras. Em dado momento, ao perceber uma janela de oportunidade nas discussões do documento sobre gênero e clima, a organização pediu a palavra e se colocou. “Nesta discussão sobre gênero e mudanças climáticas destacamos a importância da inclusão do papel das mulheres afrodescendentes tanto pelo seu potencial de proteção das suas comunidades e elaboração de tecnologias sociais frente às crises, quanto pelo grau de vulnerabilidade a que estão expostas por serem atingidas em um contexto de múltiplas opressões. Portanto é fundamental que nas próximas discussões e nos documentos, as mulheres afrodescendentes tenham seus direitos assegurados”, disse Letícia Leobet.

Porém, infelizmente, o documento final aprovado na COP 28 não incorporou as recomendações de Geledés sobre “raça”. Apesar de resultado desfavorável, definitivamente entrou para a pauta a discussão sobre a questão racial na área ambiental, com exigências de respostas mais rápidas e efetivas por parte do Estado brasileiro e demais membros das Nações Unidas.

Foto: Geledés

Outro resultado positivo da COP 28 foram as interlocuções nacionais e internacionais feitas por Geledés durante o encontro. O posicionamento do instituto na negociação de mudanças climáticas e gênero, por exemplo, chamou a atenção de Angela Ebeleke, da delegação da República Democrática do Congo, que atua como co-facilitadora das negociações neste tema e é também assistente de gênero na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Ebeleke chegou a verbalizar a importância da intervenção sobre mulheres afrodescendentes e sugeriu que essa discussão prossiga na conferência prévia sobre mudanças climáticas, prevista para acontecer em junho de 2024, em Bonn, na Alemanha.

Já o ex-diplomata americano que atua como presidente do Center for American Progress (CAP), Patrick Gaspard, deu sinais de apoio à iniciativa de Geledés de criar um Major Group de Afrodescendentes, instância da sociedade civil que tem capacidade de atuar nas COPs em pé de igualdade a outros grupos. A população afrodescendente não tem um grupo de representação própria no processo COP, ao contrário dos indígenas, mulheres, jovens, agricultores, ONGs em geral, dentre outros.

No âmbito nacional, houve um maior fortalecimento entre as organizações negras da sociedade civil brasileira em torno do combate ao racismo ambiental. Há ao menos três anos, organizações da Coalizão Negra Por Direitos, especialmente a Conaq, ecoam o debate sobre racismo ambiental nos espaços de articulação das Conferências da ONU, inclusive puxando a marcha do clima. Nesta COP 28, cerca de 20 representantes da Coalizão Negra por Direitos, da qual Geledés faz parte, participaram do encontro.

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