“O legado de Marielle é construído por cada mulher preta que se levanta, tira os pés da cama, e segue, porque isso é resistência”, diz Mônica Benício, viúva de Marielle

Enviado por / FonteKátia Mello

Artigo produzido por Redação de Geledés

Há cinco meses, no dia 14 de março, a arquiteta Mônica Benício viveu sua maior tragédia: a execução no Rio de Janeiro de sua mulher Marielle Franco, vereadora do PSOL, que se tornou o símbolo internacional da luta dos Direitos Humanos. Desde então, Mônica tem se dedicado dia e noite à exigência do que chama ser a “resolução correta” para esse crime brutal e político que também matou o motorista da vereadora, Anderson Gomes. Mônica agarrou pelas mãos e coração todas as plataformas políticas a que Marielle se dedicava, tornando como missão manter o legado de seu grande amor.

Mônica Benício / Arquivo Pessoal

Em meio à uma agenda tribulada por inúmeros compromissos com a justiça e eventos de Direitos Humanos, por telefone, a viúva de Marielle concedeu gentilmente essa entrevista à coluna Geledés no Debate, em que falou sobre a relevância e a força das mulheres negras nas lutas contra todos os tipos de preconceitos, para que “nenhuma pessoa sinta mais as dores contra as quais Marielle lutava”.

Mônica também relata como pediu proteção à Organização dos Estados Americanos (OEA), após ter sofrido ameaças presenciais e virtuais de morte. Ainda sob o impacto do assassinato de sua mulher, ela conta que mal consegue levar adiante seu mestrado na PUC (RJ) sobre justamente a influência da violência na relação do cidadão com sua moradia.

Geledés – Após cinco meses do brutal assassinato de Marielle e de seu motorista, Anderson Gomes, por que ainda não houve um desfecho sobre as execuções?

Foi um crime muitíssimo bem executado e as investigações indicam, ao menos até agora, que se errou muito pouco em sua execução. Como ele foi muito bem executado, daí as dificuldades em dar respostas. É um crime muito sofisticado, sem precedente na história do Rio de Janeiro. Também é político, envolvendo agentes do Estado, políticos, pessoas com alto poder aquisitivo, e isso é muito grave. O Brasil está acostumado a ter situações como essas: crimes sem soluções, sem repostas, com envolvimento de agentes do estado. Por isso existe uma cobrança por justiça. Essa é a minha luta, e ela é muito séria. O mais importante é que a resposta seja correta e não seja qualquer resposta. Não queremos um laranja, um bode expiatório. O que eu quero saber é quem matou, quem mandou matar e qual foi a motivação desse crime.

“Quero muitas Marielles no mundo da potência política, mulheres negras que se empoderam, que resolvem modificar as estruturas .  Marielles da população preta, pobres, feministas, que olham para si com orgulho e resolvam enfrentar o preconceito da sociedade. Não quero mais nenhuma Marielle sendo executada.”

Mônica Benício / Arquivo Pessoal

Geledés – Houve acusação de uma testemunha de que o vereador Marcello Siciliano (PHS) possa ser o mandante do crime, juntamente com o ex-policial e miliciano Orlando Oliveira de Araújo (o Orlando Curicia). Como analisa essa possibilidade?

Sou arquiteta e não investigadora, mas o que o Siciliano se manifestou inicialmente era de que seria inocente e, inclusive, amigo da Marielle. Os amigos dela eu conhecia e eles frequentavam a minha casa. Eu tinha uma relação pessoal com eles e nunca fui apresentada ao vereador Siciliano. Mas também não há provas. E enquanto não existam provas de quem tenha sido o culpado, não dá para acusar ninguém.

Geledés – Os três deputados estaduais MDB do Rio de Janeiro, Edson Albertassi, Paulo Melo e Jorge Picciani, este último ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio (ALERJ), também estão sendo investigados. Como você vê esses novas acusações? 

A minha resposta é na mesma linha da anterior. Infelizmente, ainda não temos provas. Até que se tenham provas concretas e seja possível dizer quem de fato cometeu esse crime, porque o fez e quem mandou fazê-lo, não dá para acusar ninguém. Porém acredito que todas as linhas que possam existir devam sim ser investigadas, não importa qual seja a origem das pistas. Essa situação do MDB foi levantada pelo deputado Marcelo Freixo (PSOL), um companheiro de luta e amigo pessoal da Marielle, e que tem seus argumentos para construir essa linha de questionamento. É importante dizer que é um questionamento, e não uma acusação, em que Freixo constrói uma narrativa. Portanto, essa é uma possibilidade, assim como a do Siciliano, e que devem ser investigadas, como qualquer outra que possa esclarecer esse crime hediondo.

“O 14 de março precisa ser para mim um dia de esperança, um dia em que as pessoas entendam o que a gente perdeu. E como a gente pode lutar para que não tenhamos mais a barbárie cometida em nenhum lugar do mundo”

Nunah Alle / CHAMA

Geledés – A Polícia Civil e o Ministério Público do Rio de Janeiro recusaram novamente apoio da Polícia Federal para investigação.  Você confia na equipe de investigação? De que forma acompanha o caso?

Na verdade, a Polícia Federal já apoia a investigação. A questão é, como o Raul Jungmann (ministro extraordinário da Segurança Pública) mesmo colocou, assumir a investigação caso ela seja federalizada. A federalização, dentro de um contexto de intervenção militar no Rio, me preocupa.  Eu quero que o resultado venha da melhor forma possível, mas me preocupa o fato de a investigação ficar longe do Rio de Janeiro. Além disso, existe um contexto de corrupção muito sério em nosso país, principalmente quando estão envolvidas figuras do Estado e agentes políticos. Eu confio no trabalho da Polícia Civil e tenho acompanhado de perto o que tem sido feito, tanto pelo delegado Fábio (Cardoso), quanto pelo delegado Geneton Lages (da Divisão de Homicídios). O Geneton é um delegado muito sério e está muito comprometido com o caso, e uma coisa que para mim é importante é o fato de ele não ter até aqui histórico de corrupção. Isso ajuda no avanço das investigações e faz com que tenhamos confiança em quem toca o caso. Tenho tido feedback, na medida do possível, já que as investigações ocorrem em sigilo. E acredito também que o sigilo seja essencial para o sucesso das investigações. Enfim, confio no trabalho deles e acho importante que o caso fique Rio de Janeiro, assim a família pode acompanhar de perto o desenrolar dos fatos.

Geledés – Você solicitou pedido de proteção à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) após sofrer ameaças virtuais e presenciais. Como se deram essas ameaças? Teme, por exemplo, andar só nas ruas?

Fiz uma solicitação de medida cautelar na Organização dos Estados Americanos (OEA) por conta de ameaças físicas, feitas pessoalmente.  As virtuais são causadas por discursos de ódio; essas me preocupam menos. Amigos e defensores de Direitos Humanos acharam interessante entrar com essa medida na OEA, uma vez que ela cobra do Estado brasileiro não só a minha segurança, mas também que seja investigado e solucionado o motivo pelo qual eu estou em risco, que nesse caso é o crime da Marielle.

Geledés – Como foi a resposta do Ministério dos Direitos Humanos a seu pedido; você está sendo protegida? 

As negociações vão ocorrer na próxima semana junto à Comissão de Direitos Humanos para ver em quais os programas posso me encaixar. O que me foi oferecido foi o Programa de Testemunhas, mas não sou testemunha de nada, então esse programa não se aplicaria a mim. Vou conversar com a comissão para saber quais são as possibilidades e como essa medida cautelar da OEA pode ser atendida pelo governo brasileiro.

Geledés – Nas redes sociais, após cinco meses sem Marielle, você escreveu que “a dor é de quem tem. A saudade de mandar e receber mensagens a cada 10 minutos é diária”. Como é viver sem ela e como é o seu dia a dia?

Como é a vida sem ela? Essa é a pergunta mais difícil (longa pausa) …Nunca pensei que eu fosse precisar viver sem ela. Alguns dias são mais difíceis que do que outros, mas nenhum deles é nada menos do insuportável. A parte mais difícil do dia é sempre acordar e encontrar força, motivação para poder enfrentar o vazio da cama. Isso é muito difícil. Meu dia a dia tem sido tomado por muitas agendas corridas, com muitos eventos, entrevistas, rodas de conversas com posicionamentos que antes eram feitos por Marielle, cobrança por justiça sobre o caso Marielle. Enfim, tudo gira em torno disso hoje. Minha vida profissional foi colocada de lado. Nesse momento, quero garantir que a luta dela tenha continuidade. Eu tinha um curso acadêmico que não estou conseguindo tocar; deveria ter chegado à qualificação em julho. Tenho tentado levar adiante, mesmo com dificuldade. O curso  é importante não só por ser um projeto pessoal, mas também porque era um investimento da Marielle em mim. Larguei o emprego quando ela se elegeu vereadora para me dedicar exclusivamente à família, à casa e a fazer o mestrado. Meu projeto de vida era seguir a carreira acadêmica, mas foi interrompido pela dor. Com coragem e ousadia me mantenho hoje.

Geledés – Colegas de Marielle do PSOL prometeram seguir com suas propostas, sendo que algumas já foram aprovadas. Como  estão elas?

A Marielle tinha seis projetos para irem à votação. O único retirado já na primeira eleição foi um dia de luta LGBT que entraria no calendário da cidade do Rio. Esse caiu por ter sido muito polêmico. Lamentavelmente e não surpreendentemente, considerando-se a bancada fundamentalista, racista e LGBTfóbica, esse projeto não foi à votação. Houve também um projeto extra das vereadoras da Câmara dos Deputados,em que foi feita uma homenagem à Marielle Franco, nomeando a tribuna com seu nome.  Portanto, o legado de Marielle foi sim devidamente respeitado com a aprovação desses projetos de lei. Porém, precisamos entender isso como não mais que a obrigação da Câmara em seu compromisso com o povo. Infelizmente, tivemos que ter a vida dela retirada para que esses projetos fossem aprovados, uma vez que em outro momento, eles haviam sido negados justamente por terem sido considerados modelos polêmicos. Enfim, são todos projetos por uma sociedade mais justa e igualitária, lutas de Marielle em todos os seus campos, tanto em sua vida pessoal como na afetiva.

“A parte mais difícil do dia é sempre acordar e encontrar força, motivação para poder enfrentar o vazio da cama”.

Mônica Benício / Arquivo Pessoal

Geledés – Como fazer com que esse legado continue? 

A aprovação desses projetos de lei é uma garantia do legado dela. Mas também o legado de Marielle é construído por cada mulher preta que se levanta, tira os pés da cama e segue, porque isso é resistência. É o legado de cada mulher feminista que luta contra o patriarcado, que luta por todas nossas populações periféricas e faveladas, mesmo tendo seus direitos negados e retirados diariamente por esse governo golpista, por essa sociedade machista, LGTBfóbica, racista. Cada pessoa que se levanta contra as injustiças sociais é hoje para mim o grande legado de Marielle.  

Geledés – Marielle, uma mulher negra da favela da Maré, no Rio, se tornou um símbolo internacional da luta pelos Direitos Humanos e inspiração para  jovens negras. Como vê esse fenômeno e o que diria a essas jovens?

Marielle sim se tornou um símbolo da luta internacional pelos Direitos Humanos e que bom que assim foi, porque a gente precisa resignificar o 14 de março para que não seja só um dia de barbárie, um dia de violência, um dia de dor. O 14 de março precisa ser para mim um dia de esperança, um dia em que as pessoas entendam o que a gente perdeu.  E como a gente pode lutar para que não tenhamos mais essa barbárie em nenhum lugar do mundo. Que nenhuma pessoa sinta mais as dores contra as quais Marielle lutava e nem a dor que eu sinto hoje. Quero muitas Marielles no mundo da potência política, mulheres negras que se empoderam, que resolvem modificar as estruturas, Marielles da população preta, pobres, feministas, que olhem para si com orgulho e resolvam enfrentar o preconceito da sociedade. Não quero mais nenhuma Marielle sendo executada, como a barbárie que aconteceu no Rio de Janeiro por ser uma mulher negra, violada, lésbica, pobre. Hoje isso não pode mais acontecer; e é por isso que a gente tem que continuar lutando. E que bom que ela se tornou uma expressão nesse sentido. Que outras Marielles nasçam, mas que nenhuma mais morra.

Geledés – Papo Franco é o site que vai reunir as ideias de Marielle e outras temas, inclusive com vídeos da vereadora. Quais outros projetos estão em andamento? Ouve-se também falar em uma associação que leve o nome dela. É isso?

O vídeo do Papo Franco tinha sido feito pela Marielle como uma prestação de contas, onde se abordariam os temas mais polêmicos, que inclusive ela estava discutindo e que estavam em pauta na sociedade,  para que ela se posicionasse. Teve um único vídeo produzido que foi sobre a maioridade penal. Esse vídeo foi mostrado pela irmã da Marielle, a Anielle, que com uma amiga da família, a Cris Araújo, idealizou esse projeto. Mas o projeto não é essa prestação de contas da Marielle; ele é apenas um start para o projeto. Sobre outras iniciativas, sei que existem algumas pesquisas e instituições que se movimentam em torno do nome de Marielle, mas não estou envolvida com isso. Meu projeto hoje é de militância pelas pautas de Direitos Humanos e um ativismo ainda mais intenso pelo direito à vida da população LGBT.

Em meio à uma agenda tribulada por inúmeros compromissos com a justiça e eventos de Direitos Humanos, por telefone, a viúva de Marielle concedeu gentilmente essa entrevista à coluna Geledés no Debate, em que falou sobre a relevância e a força das mulheres negras nas lutas contra todos os tipos de preconceitos, para que “nenhuma pessoa sinta mais as dores contra as quais Marielle lutava”.

Mônica também relata como pediu proteção à Organização dos Estados Americanos (OEA), após ter sofrido ameaças presenciais e virtuais de morte. Ainda sob o impacto do assassinato de sua mulher, ela que mal consegue levar adiante seu mestrado na PUC (RJ) sobre justamente a influência da violência na relação do cidadão com sua moradia.

Geledés – Após cinco meses do brutal assassinato de Marielle e de seu motorista, Anderson Gomes, por que ainda não houve um desfecho sobre as execuções?

Foi um crime muitíssimo bem executado e as investigações indicam, ao menos até agora, que se errou muito pouco em sua execução. Como ele foi muito bem executado, daí as dificuldades em dar respostas. É um crime muito sofisticado, sem precedente na história do Rio de Janeiro. Também é político, envolvendo agentes do Estado, políticos, pessoas com alto poder aquisitivo, e isso é muito grave. O Brasil está acostumado a ter situações como essas: crimes sem soluções, sem repostas, com envolvimento de agentes do estado. Por isso existe uma cobrança por justiça. Essa é a minha luta, e ela é muito séria. O mais importante é que a resposta seja correta e não seja qualquer resposta. Não queremos um laranja, um bode expiatório. O que eu quero saber é quem matou, quem mandou matar e qual foi a motivação desse crime.

Geledés – Houve acusação de uma testemunha de que o vereador Marcello Siciliano (PHS) possa ser o mandante do crime, juntamente com o ex-policial e miliciano Orlando Oliveira de Araújo (o Orlando Curicia). Como analisa essa possibilidade?

Sou arquiteta e não investigadora, mas o que o Siciliano se manifestou inicialmente era de que seria inocente e, inclusive, amigo da Marielle. Os amigos dela eu conhecia e eles frequentavam a minha casa. Eu tinha uma relação pessoal com eles e nunca fui apresentada ao vereador Siciliano. Mas também não há provas. E enquanto não existam provas de quem tenha sido o culpado, não dá para acusar ninguém.

Geledés – Os três deputados estaduais MDB do Rio de Janeiro, Edson Albertassi, Paulo Melo e Jorge Picciani, este último ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio (ALERJ), também estão sendo investigados. Como você vê esses novas acusações? 

A minha resposta é na mesma linha da anterior. Infelizmente, ainda não temos provas. Até que se tenham provas concretas e seja possível dizer quem de fato cometeu esse crime, porque o fez e quem mandou fazê-lo, não dá para acusar ninguém. Porém acredito que todas as linhas que possam existir devam sim ser investigadas, não importa qual seja a origem das pistas. Essa situação do MDB foi levantada pelo deputado Marcelo Freixo (PSOL), um companheiro de luta e amigo pessoal da Marielle, e que tem seus argumentos para construir essa linha de questionamento. É importante dizer que é um questionamento, e não uma acusação, em que Freixo constrói uma narrativa. Portanto, essa é uma possibilidade, assim como a do Siciliano, e que devem ser investigadas, como qualquer outra que possa esclarecer esse crime hediondo.

Geledés – A Polícia Civil e o Ministério Público do Rio de Janeiro recusaram novamente apoio da Polícia Federal para investigação.  Você confia na equipe de investigação? De que forma acompanha o caso?

Na verdade, a Polícia Federal já apoia a investigação. A questão é, como o Raul Jungmann (ministro extraordinário da Segurança Pública) mesmo colocou, assumir a investigação caso ela seja federalizada. A federalização, dentro de um contexto de intervenção militar no Rio, me preocupa.  Eu quero que o resultado venha da melhor forma possível, mas me preocupa o fato de a investigação ficar longe do Rio de Janeiro. Além disso, existe um contexto de corrupção muito sério em nosso país, principalmente quando estão envolvidas figuras do Estado e agentes políticos. Eu confio no trabalho da Polícia Civil e tenho acompanhado de perto o que tem sido feito, tanto pelo delegado Fábio (Cardoso), quanto pelo delegado Geneton Lages (da Divisão de Homicídios). O Geneton é um delegado muito sério e está muito comprometido com o caso, e uma coisa que para mim é importante é o fato de ele não ter até aqui histórico de corrupção. Isso ajuda no avanço das investigações e faz com que tenhamos confiança em quem toca o caso. Tenho tido feedback, na medida do possível, já que as investigações ocorrem em sigilo. E acredito também que o sigilo seja essencial para o sucesso das investigações. Enfim, confio no trabalho deles e acho importante que o caso fique Rio de Janeiro, assim a família pode acompanhar de perto o desenrolar dos fatos.

Geledés – Você solicitou pedido de proteção à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) após sofrer ameaças virtuais e presenciais. Como se deram essas ameaças? Teme, por exemplo, andar só nas ruas?

Fiz uma solicitação de medida cautelar na Organização dos Estados Americanos (OEA) por conta de ameaças físicas, feitas pessoalmente.  As virtuais são causadas por discursos de ódio; essas me preocupam menos. Amigos e defensores de Direitos Humanos acharam interessante entrar com essa medida na OEA, uma vez que ela cobra do Estado brasileiro não só a minha segurança, mas também que seja investigado e solucionado o motivo pelo qual eu estou em risco, que nesse caso é o crime da Marielle.

Geledés – Como foi a resposta do Ministério dos Direitos Humanos a seu pedido; você está sendo protegida? 

As negociações vão ocorrer na próxima semana junto à Comissão de Direitos Humanos para ver em quais os programas posso me encaixar. O que me foi oferecido foi o Programa de Testemunhas, mas não sou testemunha de nada, então esse programa não se aplicaria a mim. Vou conversar com a comissão para saber quais são as possibilidades e como essa medida cautelar da OEA pode ser atendida pelo governo brasileiro.

Geledés – Nas redes sociais, após cinco meses sem Marielle, você escreveu que “a dor é de quem tem. A saudade de mandar e receber mensagens a cada 10 minutos é diária”. Como é viver sem ela e como é o seu dia a dia?

Como é a vida sem ela? Essa é a pergunta mais difícil (longa pausa) …Nunca pensei que eu fosse precisar viver sem ela. Alguns dias são mais difíceis que do que outros, mas nenhum deles é nada menos do insuportável. A parte mais difícil do dia é sempre acordar e encontrar força, motivação para poder enfrentar o vazio da cama. Isso é muito difícil. Meu dia a dia tem sido tomado por muitas agendas corridas, com muitos eventos, entrevistas, rodas de conversas com posicionamentos que antes eram feitos por Marielle, cobrança por justiça sobre o caso Marielle. Enfim, tudo gira em torno disso hoje. Minha vida profissional foi colocada de lado. Nesse momento, quero garantir que a luta dela tenha continuidade. Eu tinha um curso acadêmico que não estou conseguindo tocar; deveria ter chegado à qualificação em julho. Tenho tentado levar adiante, mesmo com dificuldade. O curso  é importante não só por ser um projeto pessoal, mas também porque era um investimento da Marielle em mim. Larguei o emprego quando ela se elegeu vereadora para me dedicar exclusivamente à família, à casa e a fazer o mestrado. Meu projeto de vida era seguir a carreira acadêmica, mas foi interrompido pela dor. Com coragem e ousadia me mantenho hoje.

Geledés – Colegas de Marielle do PSOL prometeram seguir com suas propostas, sendo que algumas já foram aprovadas. Como  estão elas?

A Marielle tinha seis projetos para irem à votação. O único retirado já na primeira eleição foi um dia de luta LGBT que entraria no calendário da cidade do Rio. Esse caiu por ter sido muito polêmico. Lamentavelmente e não surpreendentemente, considerando-se a bancada fundamentalista, racista e LGBTfóbica, esse projeto não foi à votação. Houve também um projeto extra das vereadoras da Câmara dos Deputados,em que foi feita uma homenagem à Marielle Franco, nomeando a tribuna com seu nome.  Portanto, o legado de Marielle foi sim devidamente respeitado com a aprovação desses projetos de lei. Porém, precisamos entender isso como não mais que a obrigação da Câmara em seu compromisso com o povo. Infelizmente, tivemos que ter a vida dela retirada para que esses projetos fossem aprovados, uma vez que em outro momento, eles haviam sido negados justamente por terem sido considerados modelos polêmicos. Enfim, são todos projetos por uma sociedade mais justa e igualitária, lutas de Marielle em todos os seus campos, tanto em sua vida pessoal como na afetiva.

Geledés – Como fazer com que esse legado continue? 

A aprovação desses projetos de lei é uma garantia do legado dela. Mas também o legado de Marielle é construído por cada mulher preta que se levanta, tira os pés da cama e segue, porque isso é resistência. É o legado de cada mulher feminista que luta contra o patriarcado, que luta por todas nossas populações periféricas e faveladas, mesmo tendo seus direitos negados e retirados diariamente por esse governo golpista, por essa sociedade machista, LGTBfóbica, racista. Cada pessoa que se levanta contra as injustiças sociais é hoje para mim o grande legado de Marielle.  

“É um crime (assassinato de Marielle) muito sofisticado, sem precedente na história do Rio de Janeiro.  É um crime político, que envolve agentes do Estado, políticos, pessoas com alto poder aquisitivo, e isso é muito grave.

Annelise Tozzeto

Geledés – Marielle, uma mulher negra da favela da Maré, no Rio, se tornou um símbolo internacional da luta pelos Direitos Humanos e inspiração para  jovens negras. Como vê esse fenômeno e o que diria a essas jovens?

Marielle sim se tornou um símbolo da luta internacional pelos Direitos Humanos e que bom que assim foi, porque a gente precisa resignificar o 14 de março para que não seja só um dia de barbárie, um dia de violência, um dia de dor. O 14 de março precisa ser para mim um dia de esperança, um dia em que as pessoas entendam o que a gente perdeu.  E como a gente pode lutar para que não tenhamos mais essa barbárie em nenhum lugar do mundo. Que nenhuma pessoa sinta mais as dores contra as quais Marielle lutava e nem a dor que eu sinto hoje. Quero muitas Marielles no mundo da potência política, mulheres negras que se empoderam, que resolvem modificar as estruturas, Marielles da população preta, pobres, feministas, que olhem para si com orgulho e resolvam enfrentar o preconceito da sociedade. Não quero mais nenhuma Marielle sendo executada, como a barbárie que aconteceu no Rio de Janeiro por ser uma mulher negra, violada, lésbica, pobre. Hoje isso não pode mais acontecer; e é por isso que a gente tem que continuar lutando. E que bom que ela se tornou uma expressão nesse sentido. Que outras Marielles nasçam, mas que nenhuma mais morra.

 

Geledés – Papo Franco é o site que vai reunir as ideias de Marielle e outras temas, inclusive com vídeos da vereadora. Quais outros projetos estão em andamento? Ouve-se também falar em uma associação que leve o nome dela. É isso?

O vídeo do Papo Franco tinha sido feito pela Marielle como uma prestação de contas, onde se abordariam os temas mais polêmicos, que inclusive ela estava discutindo e que estavam em pauta na sociedade,  para que ela se posicionasse. Teve um único vídeo produzido que foi sobre a maioridade penal. Esse vídeo foi mostrado pela irmã da Marielle, a Anielle, que com uma amiga da família, a Cris Araújo, idealizou esse projeto. Mas o projeto não é essa prestação de contas da Marielle; ele é apenas um start para o projeto. Sobre outras iniciativas, sei que existem algumas pesquisas e instituições que se movimentam em torno do nome de Marielle, mas não estou envolvida com isso. Meu projeto hoje é de militância pelas pautas de Direitos Humanos e um ativismo ainda mais intenso pelo direito à vida da população LGBT.

 

+ sobre o tema

para lembrar

O despertar da consciência de uma catadora

Michele da Silva Candido, de 37 anos, foi catadora...

Negros no mundo corporativo

A Gerente de Negócios Camila Ramos fala sobre sua...

Valorização da Mulher | Violência de gênero e proteção integral das mulheres foram temas abordados em Seminário no Fórum de São Luís

Terminou no dia 12 de junho de 2018 a terceira edição da Semana Estadual de Valorização da Mulher, no Estado do Maranhão. Com ações...

Sueli Carneiro será homenageada hoje e domingo pelo bloco afro Ilú Obá de Min; participe desta festa 

Depois de três anos longe das ruas de São Paulo, o bloco afro Ilú Obá de Min volta neste Carnaval com o tema “Akíkanjú:...

Em 2022, vamos todos “novembrar” !

Estamos em dezembro, bem próximo às festas de final de ano, e como reflexão fica a sugestão de que poderíamos “novembrar”, termo que acaba...
-+=