Itaú Cultural abre a série Ocupação em 2021 com mostra dedicada à maestrina Chiquinha Gonzaga

Exposição resgata a história de Francisca Edwiges Neves Gonzaga (1847-1935) entre documentos, partituras, capas, objetos, fotos e conteúdo musical e audiovisual biográfico produzido pela instituição que retratam a sua vida e obra, inclusive sua identidade negra costumeiramente ignorada. Há 100 anos, ela foi a primeira mulher a reger uma orquestra, a escrever uma partitura para teatro e a compor uma marcha carnavalesca no Brasil. A artista produziu mais de duas mil canções autorais e 77 partituras para peças teatrais. Apresentações online construídas em torno de seu repertório, atividades educativas, mecanismos de acessibilidade e a confecção de um hotsite integram a Ocupação.

Com curadoria dos Núcleos de Comunicação e Música da instituição, co-curadoria da cantora Juçara Marçal e consultoria de Edinha Diniz, biógrafa da compositora, o Itaú Cultural abre em 24 de fevereiro (quarta-feira) a Ocupação Chiquinha Gonzagaque ficará em cartaz até 23 de maio (domingo). Além de mergulhar na vida e obra da compositora, pianista e primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil, a exposição resgata a sua afrodescendência, quase eliminada pelas práticas do racismo estrutural. Esta mostra foi desenvolvida integralmente durante a pandemia do Covid-19 e segue todos os protocolos e recomendações das autoridades sanitárias.

Uma das peças originais mais simbólicas em exibição é o broche de ouro com pauta musical das primeiras notas da valsa Walkyria, composta por Chiquinha Gonzaga em 1884, para a opereta A corte na roça. O objeto, hoje pertencente ao acervo do Museu da República, foi oferecido a ela em 1885 por críticos teatrais, em decorrência do sucesso da opereta, e virou adereço habitual da maestrina desde então.

Na exposição, o broche estará disposto à frente de um piano vertical tradicional, locado para representar um outro piano, que é histórico: um Ronisch, feito na Alemanha, que ela trouxe da Europa em 1909 e com o qual trabalhou até a sua morte. Atualmente, o instrumento original está instalado no foyer do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.

Chiquinha era mulher negra, filha de pai branco e mãe “parda liberta” – termo utilizado no Assentamento de Batismo da mãe, que é um dos documentos que estarão na Ocupação –, que sofreram dificuldades por formarem um casal de pessoas de camadas diferentes. Rapidamente formatou sua personalidade talentosa e transgressora. Ela nasceu no Império e viu a implantação da República. Abolicionista, lutou ativamente pela libertação dos escravizados. Enfrentou o forte conservadorismo da época e tornou-se compositora e maestrina, em um mundo em que a carreira artística feminina era vista com maus olhos. Casou-se oficialmente uma única vez, mas viveu três diferentes relacionamentos amorosos em um tempo em que não existia o divórcio.

Este é o universo que o público encontrará no espaço expositivo do piso térreo do Itaú Cultural. Cerca de 120 itens conduzem o visitante pela vida e produção de Chiquinha, entre suas partituras, como a de Ó Abre Alas, a primeira marcha de Carnaval do país, composta em 1899 por ela para o Cordão Rosa de Ouro. Outra referência é A Corte na roça, espetáculo pelo qual se tornou a primeira mulher a escrever partitura para teatro no Brasil.

Um mecanismo ativável por pedais que disparam o som de diferentes instrumentos toca trechos de Ó Abre Alas. Outra ferramenta ativa as teclas de um piano de chão, por meio do qual se ouvem diferentes composições de sua autoria. Cada tecla pisada aciona um audiovisual com a execução e arranjos feitos por musicistas contemporâneos sobre diversos gêneros compostos por Chiquinha: Di Ganzá, toca uma valsa de opereta, Amaro Freitas, uma polca, Mestrinho vai de maxixe, Maíra Freitas, segue com uma cançoneta cômica e Ana Karina Sebastião com uma dança africana.

Por toda a exposição encontram-se documentos da época, objetos, partituras, capas e fotos. Cinco audiovisuais produzidos pelo Itaú Cultural com textos biográficos feitos pela escritora e dramaturga Maria Shu, escritos especialmente para a mostra, apresentam Chiquinha contando trechos de sua vida, na pele de Dona Jacira, multiartista e mãe de Emicida; Jup do Bairro, cantora, compositora e apresentadora; Beth Beli, percussionista e fundadora do bloco carnavalesco Ilú Obá De Min, a atriz Indira Nascimento e a cantora Fabiana Cozza. Todas são negras como Chiquinha, cuja história se desdobra em suas vidas.

Diferentes sons embalam a exposição desde a entrada. Uma paisagem sonora idealizada pela instituição para esta exposição envolve o visitante com sons das ruas do Rio de Janeiro do século XIX, na época capital do Brasil. O recurso traz elementos que ajudaram Chiquinha em suas composições e ritmos.

A vida e a carreira de Chiquinha perpassaram momentos fundamentais da história brasileira, como a proibição do tráfico internacional de escravizados, em meados do século XIX, a Lei do Ventre Livre, em 1871, a Lei dos Sexagenários, 1885, a assinatura da Lei Áurea, em 1888, e a Proclamação da República, no ano seguinte. Para levar o público à atmosfera do período, a Ocupação conta com cinco gravuras da coleção Brasiliana Itaú, com panoramas do Rio de Janeiro e imagens como a da Praça do Comércio.

O compositor Carlos Gomes, seu contemporâneo, foi uma de suas grandes referências – presente na mostra em moedas e medalhas comemorativas, pertencentes ao acervo do Banco Itaú –, da mesma forma que a grande amizade que nutria pelo também compositor e flautista Joaquim Callado. Assim, toda a exposição é circundada por uma linha do tempo que faz um paralelo do Brasil que nascia como República com alguns acontecimentos da vida da maestrina.

ESQUENTA ONLINE

Em sinergia com a exposição, o Itaú Cultural preparou programação prévia para que o público conhecesse um pouco mais da produção de Chiquinha Gonzaga, em uma espécie de esquenta para a Ocupação. No dia 11 de fevereiro, a pianista Maria Teresa Madeira se apresentou em edição especial do Palco Virtual, via Zoom.

Teresa tem especialidade na obra da compositora dos séculos XIX e XX. Em fevereiro de 2020, ela lançou sua primeira edição crítica de partituras, Chiquinha Gonzaga para Todos, em parceria com o pesquisador Wandrei Braga. O álbum contém 145 obras para piano solo de autoria de Chiquinha Gonzaga, em quatro volumes organizados em ordem progressiva de dificuldade. No repertório, além de músicas de Chiquinha ela tocou obras de Ernesto Nazareth, Jacob do Bandolim, Sinhô, Carolina Cardoso de Menezes, e uma música própria.

No dia seguinte, se apresentou a contrabaixista Ana Karina Sebastião, uma das artistas que participou da instalação do piano de chão, na mostra, com a música: Candomblé. Por fim, no dia 14, a atriz Indira Nascimento, interpretou Ensaio sobre ter voz.

Atividades do educativo e mecanismos de acessibilidade, além de um hotsite dedicado a Chiquinha Gonzaga e o tempo histórico brasileiro em que ela viveu, publicado em www.itaucultural.org.br, também fazem parte desta Ocupação.

 

 

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