Já podemos falar sobre luto e genocídio da população negra e periférica

Quando eu era criança já tinha muito medo de morrer, é verdade, eu sempre tive muito medo. Nunca lidei muito com a morte, a morte sempre foi um grande problema que precisei enfrentar algumas vezes, perdendo família e amigos. Era sempre como se a gente, um pedaço da história, se fosse. Eu sei que não é assim, a morte gera ensinamentos, mas outras mortes nos geram ainda mais ódio ao Estado.

Por Mariana Belmont, Da UOL

(Foto: Inês Bonduki/UOL)

Já perdi amigos que foram mortos pelo Estado, pelo tiro e pela falta de comida ou atendimento decente em qualquer pronto-socorro, de qualquer periferia deste país. Meu amigo, seu amigo, meu irmão, seu irmão, seu pai, sua mãe, seu filho ou qualquer pessoa que vive em situação de pobreza e vulnerabilidade extrema no Brasil. É triste? Absurdamente.

Vivemos tempos ainda mais difíceis, ainda mais dolorosos, sabendo que muitos dos nossos serão jogados em valas, não terão mais uma vez direito a velório e enterro. Serão esquecidos pelo Estado que nem contando os corpos os desgraçados estão.

E quem conta nossos mortos?

Corpos que morrem pela bala do Estado e por outras doenças não identificadas no pronto-socorro, porque está tudo muito cheio. Pessoas que vão morrer de fome ou de coronavírus mesmo, porque pegaram dos patrões que não dispensaram do trabalho.

Por hora já começamos a entender que a redução dos investimentos sociais, junto com a privatização dos serviços públicos, é o caminho irresponsável e descabível que o SUS ainda que precário precisa ser mantido e garantido para toda a população. O SUS precisa ser melhorado para atender com rapidez e eficiência. Os nossos direitos trabalhistas são fundamentais para que o trabalhador tenha qualidade de vida junto com a sua família.

A desigualdade social será ainda mais sinônimo de mortes seletivas nas periferias, sabemos bem a cor e a renda das pessoas que já começaram a morrer e são subnotificadas pelos hospitais. São muitos os que já morriam todos os dias, agora será cada vez mais.

Ficar em casa é privilégio, se você pode, fique. Você ficando em casa ajuda a retardar a propagação do vírus pela cidade. Mas se você não puder porque precisa trabalhar, se cuide, se proteja e, se for o caso, denuncie o seu empregador. Quando tudo passar precisamos repensar nossos governantes, repensar porque votaram em Bolsonaro (sim, vamos precisar falar de novo sobre isso, mas propositivamente). E vamos precisar com urgência olhar para o sistema público de saúde com um olhar generoso e de urgência para grandes mudanças.

Teremos um grande desafio político, e nesse sentido quero dizer que teremos que olhar a política como meio fundamental para o combate às desigualdades, um olhar para reconstrução. E é isso que me alimenta. É isso que me dá forças todos esses dias. Dentro de casa há quase 20 dias, preocupada com minha família em Parelheiros, meus amigos e toda a rede de proteção e afeto. Toda essa rede que vai precisar falar de política e vida assim que essa onda passar e estivermos prontos e vivos.

Para saber e acompanhar tudo sobre o Covid-19 nas periferias, vou deixar os links abaixo. Consuma, compartilhe e ajude os coletivos de comunicação periférico. #CoronaNasPeriferias.

Periferia em Moviment

Alma Preta

Desenrola e Não Me Enrola

Nós, Mulheres da Periferia

Agência Mural

Ouça o podcast Pandemia Sem Neurose

Favela em Pauta

Voz das Comunidades

Coletivo Papo Reto

+ sobre o tema

Juventude negra no Brasil: tragédia anunciada

Metade das vítimas de homicídios no Brasil tem entre...

Justiça Branca-Câmara inocenta Bolsonaro por racismo e estimulo à violência

Deputados demonstram não se importar com o descrédito crescente...

Corregedoria investiga oito PMs suspeitos de participação em assassinatos em SP

A Corregedoria da Polícia Militar (PM) investiga oito policiais...

Apoiar entrada de jovens negros na universidade é pensar sobre qual futuro queremos

Em um cenário de crise aguda, a educação continua...

para lembrar

Bárbara Querino, modelo negra presa estava a 85 km do local do crime

De acordo com documentos apresentados pela defesa de Bárbara...

‘Estou com medo e não estou saindo de casa’, diz haitiano atingido por balas

Imigrantes haitianos atacados relatam dificuldades encontradas na busca por...

Carta ao Rei T’Challa

Querido irmão Chadwick Boseman, Diz um dito africano que, quando...

Foram 26.952 negros assassinados em 2002 e 34.983 em 2010

Foram 26.952 negros assassinados em 2002 e 34.983 em...
spot_imgspot_img

Caso João Pedro: família cobra júri popular para policiais acusados

Familiares e defensores dos direitos humanos protestaram nesta terça-feira (20) com faixas em frente a sede do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), no centro...

Quase 85% da população preta afirma ter sofrido discriminação racial

De cada 100 pessoas pretas, 84 relatam já ter sofrido discriminação racial. A revelação faz parte de uma pesquisa apoiada pelo Ministério da Igualdade Racial (MIR), divulgada...

Estado como um dos negócios mais rentáveis das elites

Os filhos dos amigos viram estagiários, os estagiários viram assessores, os assessores viram secretários. E, no final, todos se orgulham de suas difíceis trajetórias...
-+=
Geledés Instituto da Mulher Negra
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.