Em muitos dos casos, os processos acabam em acordos e termos de compromisso antes mesmo de serem julgados
por Braga, Renata Mariz, Iano Andrade
Não só em campinhos do interior do país, quando ser um astro dos gramados ainda é um sonho distante, o drama do abuso sexual está presente. A violência também ocorre em escolinhas e categorias de base da elite do futebol brasileiro. Além do medo de serem mandadas embora de um grande clube, contribui para o silêncio das vítimas o receio de não serem levadas a sério. Poucas denúncias que saem da invisibilidade — muitas das quais abafadas posteriormente devido a pressões inerentes a uma atividade que movimenta bilhões no Brasil — mostram que o problema existe, a despeito de às vezes ser tratado como folclore.
sexuRaí: Nunca vi, mas já ouvi falar. A gente sabe que isso, às vezes, acontece. A criança, o jovem, fica com receio e acaba não denunciando. Não é uma coisa frequente, mas é algo comentado
No Grêmio, uma denúncia de abuso sexual estourou em 2009, quando meninos da categoria sub-13 criaram coragem para reclamar, depois de meses adiando a decisão. “A gente falava entre a gente. Ficava pensando se alguém ia acreditar em nós”, diz Maurício*, em depoimento anexado ao processo obtido pelo Correio. Segundo trechos do documento, o menino, que morava sozinho no alojamento do clube em Porto Alegre, porque a família era do interior do estado, quebrou o silêncio durante uma viagem a Alegrete (RS) para um campeonato.
Na ocasião, o então coordenador técnico das categorias de base do tricolor gaúcho, José Alzir Flor da Silva, teria voltado a tocar os garotos enquanto eles dormiam, como costumava fazer. Mas Maurício estava disposto a acabar com a situação. Ele conta, em seu depoimento, que após o coordenador ter se masturbado tocando-o, ele levantou da cama e avisou: “Eu vi o que tu fez e eu vou contar para minha mãe e para o diretor”. Alzir, por sua vez, teria retrucado: “Volte a dormir que tu está sonhando”. “Não estou sonhando e eu sei que isso é grave”, respondeu. O incidente da madrugada foi repassado, logo de manhã, a um estagiário por quem os garotos tinham amizade e confiança. Tempos depois, o caso extrapolou as paredes do Grêmio, chegando aos pais e às autoridades.
Exploração sexual de crianças marca o mercado da bola no país
Caratinga — “É só fechar o olho, é fácil”, disse Maguila a Paulo, em uma tarde como outra qualquer. Maguila era treinador de futebol, funcionário da prefeitura de Caratinga (MG) e coordenava uma escolinha em um campo simples. Paulo, na época com 14 anos, era um dos melhores atletas do grupo e, até por isso, a proximidade entre o professor e o pupilo não causava estranheza. Maguila era respeitado na cidade, levava com frequência os garotos para testes em clubes de expressão nacional, como o Atlético Mineiro e o Cruzeiro, e nele eram depositadas as esperanças de muitos pais em verem seus filhos como grandes ídolos. A frase inicial poderia se referir a uma instrução do professor ou uma orientação sobre um fundamento de futebol, mas, na verdade, foi a tentativa de Maguila para convencer Paulo a, mais uma vez, realizar programa com um dos clientes que tinha na região.
Jovens aspirantes a jogadores não estão sujeitos somente ao abuso de pedófilos, mas também a redes que geram lucro para os envolvidos. A exploração sexual se difere do abuso por haver uma organização, que envolve aliciadores e clientes. A semelhança entre as duas situações está na forma de atrair meninos e de conseguir o silêncio: a promessa de uma carreira brilhante e lucrativa no esporte e, depois, a ameaça de tirá-lo do time, caso o garoto denuncie o crime.
Fonte: Correio Braziliense