Julgamento no TSE pode aumentar espaço de mulheres negras na política

Das 66 mulheres no Congresso, apenas 10 se declaram pretas ou pardas.

Por Marcella Fernandes Do Huff post Brasil

NACHO DOCE / REUTERS

“A gente vive em si a realidade de um racismo institucional que acaba por impedir nossas carreiras e ascensão no poder político e, enquanto isso prevalecer, a gente não vai conseguir levar nossas discussões para uma pauta política mais profunda”, afirma a pesquisadora Marjorie Chaves.


“A gente vive em si a realidade de um racismo institucional que acaba por impedir nossas carreiras e ascensão no poder político e, enquanto isso prevalecer, a gente não vai conseguir levar nossas discussões para uma pauta política mais profunda”, afirma a pesquisadora Marjorie Chaves.

Das 66 deputadas e senadoras com mandato federal hoje, apenas 10 se declaram pretas ou pardas, de acordo com dados da Justiça Eleitoral. O cenário, contudo, pode mudar. Uma consulta protocolada na última quinta-feira (14) no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) pede que metade da cota do Fundo Eleitoral e do tempo de propaganda eleitoral estabelecida para candidaturas femininas seja destinada a mulheres negras.

Em maio, o TSE determinou que 30% dos recursos do Fundo Eleitoral devem ser gastos em campanhas de mulheres, em resposta a uma consulta da bancada feminina. Em março, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu no mesmo sentido sobre o Fundo Partidário, com base no percentual de cota de candidaturas por gênero.

De acordo com a Lei das Eleições, pelo menos 30% das candidaturas de cada sigla deve ser de um dos gêneros.

Neste ano, os partidos terão R$ 1,7 bilhão do Fundo Eleitoral. Já o valor do Fundo Partidário varia. No ano passado, foram repassados R$ 741 milhões às siglas.

A consulta foi protocolada pela ONG Educafro e tem apoio de 16 parlamentares, cujas assinaturas foram coletadas no plenário das Casas. A lista inclui os deputados Benedita da Silva (PT-RJ), Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Orlando Silva (PCdoB-SP), Jô Moraes (PcdoB-MG), Maria do Rosário (PT-RS), Erika Kokay (PT-DF), Bebeto Galvão (PSB-BA), Alessandro Molon (PSB-RJ), Glauber Braga (PSOL-RJ), Jean Willys (PSOL-RJ), Laura Carneiro (DEM-RJ), Zenaide Maia (PR-RN) e Sérgio Reis (PRB-SP) e os senadores Paulo Paim (PT-RS), Regina Sousa (PT-PI) e Vanessa Graziottin (PCdoB-AM).

De acordo com o documento, o atual funcionamento do sistema eleitoral reforça o racismo estrutural no Brasil. “Quanto mais alto o cargo, menor a participação de negros concorrendo e, por consequência, menor a representatividade nas diversas funções políticas, o que faz questionar realmente qual o nível de legitimidade das escolhas possíveis dentro do quadro ora apresentado”, diz trecho da consulta sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso.

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Negra e nascida na Favela da Maré, o histórico e os projetos de Marielle são em torno de políticas públicas voltadas para as mulheres, incluindo creches com horários noturnos, aborto seguro e combate à violência sexual.


Mulheres negras na política

Das 53 deputadas federais, Benedita da Silva e Tia Eron (PRB-BA) são as únicas que se declararam negras, de acordo com dados do TSE de 2014. Outras 7 deputadas se declararam pardas naquele mesmo ano: Jô Moraes, Alice Portugal (PCdoB-BA), Janete Capiberibe (PSB-AP), Luana Costa (PSC-MA), Luciana Santos (PCdoB-PE), Professora Marcivânia (PCdoB-AP) e Rejane Dias (PT-PI).

No Senado, Fátima Bezerra (PT-RN) se declarou parda nas eleições de 2014. Não há dados no sistema do TSE sobre as eleições de senadoras em 2010.

Pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Unb (Universidade de Brasília), Marjorie Chaves, chama atenção para mecanismos do racismo institucional e para o impacto em direitos de mulheres negras. “Enquanto mulheres negras, alguns espaços ainda nos são negados e a gente não vai ver isso escrito em lugar nenhum. A gente não vai ver isso exposto em lugar nenhum porque isso está na estrutura”, afirmou em audiência pública na Comissão da Mulher da Câmara dos Deputados na última quarta-feira (13).

A gente vive em si a realidade de um racismo institucional que acaba por impedir nossas carreiras e ascensão no poder político e, enquanto isso prevalecer, a gente não vai conseguir levar nossas discussões para uma pauta política mais profunda.Marjorie Chaves

A pesquisadora citou dados do Mapa da Violência 2018. De acordo com a pesquisa, em 2016, a taxa de homicídios é maior entre as mulheres negras (5,3) que entre as não negras (3,1), uma diferença de 71%. Em relação aos 10 anos da série, a taxa de homicídios para cada 100 mil mulheres negras aumentou 15,4%, enquanto que entre as não negras houve queda de 8%.

Na audiência também foi lembrado o nome da vereadora Marielle Franco (PSol-RJ), assassinada em março no Rio de Janeiro. “Ela estava em um lugar outro, que não era comum para nós mulheres negras. Ela era uma fraonta e por isso mesmo que acredito que tentaram calar sua voz”, afirmou Chaves.

Negra e nascida na Favela da Maré, o histórico e os projetos de Marielle são em torno de políticas públicas voltadas para as mulheres, incluindo creches com horários noturnos, aborto seguro e combate à violência sexual.

Outra referência na área, a deputada Benedita da Silva, primeira negra a ocupar uma cadeira na Câmara de Vereadores da Cidade do Rio de Janeiro, em 1982, defendeu novas estratégias de ampliar representatividade e o protagonismo. “A violência política é uma violência que fere a sua liberdade, democracia e soberania. Esse país é nosso e principalmente nosso das mulheres e majoritariamente das mulheres negras”, afirmou.

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