Mães pedem reparação psíquica e econômica por filhos mortos pela PM de SP

Em audiência, entidades e familiares defenderam criação de um fundo estadual e denunciaram extermínio de jovens negros

Por Rute Pina, do Brasil de Fato

Documento foi entregue à deputada Leci Brandão (centro) durante a audiência pública na Alesp / Pedro Borges

As chamadas Mães de Maio, Mães de Osasco e Mães da Leste têm em comum o fato de terem tido os filhos assassinados por agentes policiais do estado de São Paulo. Juntas, elas reivindicam a criação de um fundo estadual para a reparação econômica. Nesta terçaa-feira (10), em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), elas apresentaram um documento pedindo também apoio psíquico às famílias das vítimas.

A carta, assinada por familiares e entidades do movimento negro, propõe a elaboração de um projeto de lei nos moldes do projeto que tramita na Câmara Federal para criar o Fundo Nacional de Assistência às Vítimas de Crimes Violentos. Os movimentos pediram um prazo de 40 dias para que a Casa monte um Grupo de Trabalho para redigir o projeto de lei.

Para Débora Silva, fundadora do Movimento Mães de Maio, a reparação é emergencial: “O Estado mata nossos filhos, abandona os familiares e não dá nenhum apoio. Essa reparação psíquica é necessária. E a gente também vem com a reivindicação da reparação econômica, porque muitas mães são mãe e pai, vítimas do machismo. Ela cria o filho sozinha e depois os filhos são executados e essas mulheres não têm uma dignidade, não podem trazer o sustento porque a depressão e a impunidade matam essas mães lentamente.”

O filho de Débora, Edson Rogério da Silva era gari e foi assassinado por um policial militar aos 29 anos e é uma das vítimas dos chamados “Crimes de Maio”, que vitimaram 564 pessoas em 2006.

Já Marcia Conti viu o filho adotivo falecer precocemente aos 21 anos, após uma abordagem policial na região do Itaim Paulista, na zona leste da cidade de São Paulo. Em 2015, Peterson Conti Senoreli foi espancado por quatro agentes e morreu no hospital. Marcia diz que a reparação é o “mínimo que o Estado pode fazer pelas famílias”.

“Depois que policiais militares mataram o meu filho, eu perdi tudo. Perdi minha saúde, a estrutura da minha casa, meu marido faleceu logo depois. E quantas mães não estão morrendo, quantas famílias não foram destruídas, doentes devido ao despreparo que a segurança pública admite para cuidar do povo?”, questionou.

O documento, que foi entregue à Alesp por meio do gabinete da deputada Leci Brandão (PCdoB), também solicita a aprovação do Projeto de Lei 182/15, que trata do afastamento imediato de policiais que respondem a processos na Justiça.

Falta de diálogo

Durante a audiência pública que tratou do extermínio de jovens negros, entidades representativas do movimento negro entregaram um dossiê todos os protocolos de denúncias sobre o processo de genocídio, oficializadas em órgãos estaduais entre os anos de 2010 e 2017.

Para Adriana Moreira, da Frente Alternativa Preta, a documentação mostra a dificuldade da construção de diálogo com o poder público. “Via de regra, os documentos são desconsiderados, são protocolados e a resposta sempre é ao largo do que se deseja e não se entende efetivamente, por parte do estado, a barbárie que  ocorre no cotidiano, na medida em que as pessoas são mortas por agentes públicos e o Estado absolutamente se exime da responsabilidade”, diz.

Ana Claudia Carvalho Vigliar, assessora especial de Direitos Humanos da Secretaria de Segurança Pública (SSP), afirmou que a pasta tem apresentado políticas contra o extermínio dos jovens negros e pobres e ponderou que as medidas também deveriam focar na Educação e Saúde. Segundo ela, os policiais militares participam de ações como grupos de estudos em direitos humanos.

“É uma forma de conscientizá-los. Porque eles, como policiais, trazem preconceito da sociedade, não é preconceito da instituição. Eles vêm de vários pontos da sociedade e o preconceito está na sociedade, não está na instituição polícia ou secretaria de segurança”, disse.

Adriana, no entanto, afirma que as ações são legitimadas pelo Estado. “No final das contas, essas denúncias todas, essa movimentação, essas reivindicações, nunca são escutadas e isso revela a política de terrorismo estatal sobre, em especial, a juventude negra, promovendo o genocídio do povo negro, em particular, dos jovens negros”.

Além da SSP,  representantes da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Corregedoria da Polícia Militar e da Ordem dos Advogados do Brasil participaram da audiência pública. O evento, parte da agenda oficial da Alesp, foi organizado pelos coletivos Convergência Negra, Frente Alternativa Preta, Marcha das Mulheres Negras de São Paulo e pela Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio.

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