Martinho da Vila chegou com seu jeito devagar, devagarinho no lançamento de sua biografia ontem (quarta-feira, 12/12) na Livraria da Travessa – Ipanema, no Rio. O livro ‘Martinho da Vila – Reflexos no Espelho’ foi escrito pela pesquisadora Helena Theodoro e publicado pela Pallas Editora, no ano em que o compositor está completando 80 anos. Um dos méritos da obra é situar o compositor não apenas como um artista, mas também como intelectual.
por Geisa Souto enviado para o Portal Geledés
“Estou me sentindo numa posição desconfortável. Gosto de receber homenagens, mas quando estou presente não sei o que fazer”, confessou Martinho. Ele disse ainda que estava muito feliz: “não apenas por mim, ‘por estar dentro do livro’, mas também pela Helena. Há 30 anos ela disse que queria escrever um livro que falasse sobre mim, confessou o compositor”.
Ao longo de décadas Helena e Martinho se encontraram em inúmeras conversas e entrevistas para falar sobre os mais variados temas. As ideias e revelações desse expoente da cultura brasileira formaram um rico acervo oral que fundamenta o livro e provoca as reflexões sobre sua vida e obra.
“A obra do Martinho nos permite mergulhar profundamente na realidade brasileira. Por outro lado, ele foi sempre uma pessoa amorosa e alegre”, disse a autora.
Antes de começarem os autógrafos, Helena e Martinho participaram de um bate-papo com a jornalista Flávia Oliveira, que escreveu a apresentação do livro, e Ricardo Cravo Albim, que assina o prefácio. Amigos e familiares prestigiaram o lançamento.
Martinho da Vila, reflexões sobre um artista e intelectual
Helena Theodoro lança a biografia “Martinho da Vila – Reflexos no Espelho”, publicada pela Editora Pallas.
O evento de lançamento será na quarta-feira (12/12), na Livraria da Travessa – Ipanema, às 19h, com a presença de Martinho da Vila
Há mais de 30 anos a escritora Helena Theodoro pesquisa a vida e a obra de Martinho José Ferreira, o Martinho da Vila. Ao longo desse tempo, os dois se encontraram em inúmeras conversas e entrevistas para falar sobre os mais variados temas. As ideias e revelações de Martinho formaram um rico acervo oral que fundamenta “Martinho da Vila – Reflexos no Espelho”, uma biografia que está sendo lançada pela Editora Pallas.
Um dos grandes méritos do livro é situar Martinho da Vila como artista e intelectual. Helena Theodoro explica que o fio condutor da obra são as profundas reflexões inerentes à vida e à obra do personagem, com sua trajetória rica em sabedoria, cultura, vitórias e resistência, em seus 80 anos de vida e 50 como artista. O livro tem sete capítulos que refletem sobre as origens do compositor, poeta, escritor e sambista; o sucesso (construção, reflexões e 1980/1989); os anos 1990 (samba e religiosidade); a família; e o novo século (reflexos de sua obra).
Para a autora, é necessário que Martinho seja muito valorizado não apenas no meio artístico, mas também nos meios intelectuais. “Sua obra nos permite mergulhar profundamente na realidade brasileira, em seu imaginário social, principalmente ao que tange às nossas bases africanas e à sua capacidade de transformar, criar e valorizar a cultura do povo brasileiro”, explica Helena Theodoro.
A autora destaca ainda a relação de Martinho com a territorialidade: o Martinho da Vila Isabel e o Martinho de Duas Barras, onde ele nasceu. Para ela, a relação que ele mantém com sua própria história preservou sua identidade. “A ligação dele com as raízes africanas trouxe o encontro com a Kizomba e todo um conhecimento das relações do Rio de Janeiro com Angola”, afirma.
“Martinho da Vila – Reflexos no Espelho” narra também situações que mostram a simplicidade do compositor. Por exemplo, quando se inspirou na primeira menstruação de uma de suas filhas para compor o samba “Salgueiro na avenida”, usando o nome da escola que tem o vermelho como cor predominante. No trecho do livro: “Cabe salientar que traduzir o cotidiano em suas músicas marca cada vez mais a obra do Martinho. Em 1982 a filha Juliana, a caçula na época e terceira filha mulher, tivera sua primeira menarca. Martinho registrou de forma poética e criativa, em seu disco de 1983, Novas palavras, no qual temos uma visão mais política e informações mais precisas do som africano e de palavras em quimbundo. A delicadeza e o senso de oportunidade, relacionados às cores das escolas, fazem de “Salgueiro na avenida” a grande homenagem de um pai para a filha que se tornou mocinha.”
Em outro trecho, Martinho comenta a parceria com João Donato, na época em que este era abstêmio e recém-convertido à religião, quando nasceu a letra “Muita luz”. O livro também traz assuntos polêmicos, como o casamento com Cleo, sua atual mulher e mãe de dois de seus filhos. Quando o romance começou, ela tinha 15 anos e Martinho48. Em 2018 fizeram 25 anos de casados.
“A simplicidade do viver é constante em Martinho, que entende o sucesso como algo que acontece sem que se precise correr atrás dele. Considero Martinho uma pessoa sensível, inteligente e doce. Ele é um brasileiro consciente de suas possibilidades culturais como afro-descendente e como ser humano universal”, conclui a autora.
A AUTORA
Helena Theodoro é graduada em Ciências Jurídicas e Sociais (UFRJ) e Pedagogia (UERJ). É mestre em Educação (FRJ) e doutora em Filosofia (Universidade Gama Filho). Faz Pós-doutorado no IFCS/UFRJ /PPGHC (Programa de Pós Graduação em História Comparada). É Conselheira do Fundo Elas. Foi Coordenadora do Comitê Pró-equidade de Gênero, Raça e Etnia da Casa da Moeda do Brasil até junho de 2016. Atuou como coordenadora da Pós-graduação de Figurino e Carnaval da Universidade Veiga de Almeida (UVA). Foi Vice-presidente do Conselho Estadual dos Direitos do Negro – Cedine. É autora dos livros: Mito e Espiritualidade: Mulheres Negras (1996); Os Ibéjis e o Carnaval (2009); Caderno de Cultura Afrobrasileira(2009); Iansã, rainha dos ventos e tempestades (2010); e, Martinho da Vila – Reflexos no Espelho (2018). Atua principalmente nos temas: identidade, valores, religião, comunidade, ritos, sexualidade, educação, processos culturais, comportamento, comunidade e cidadania, direitos humanos e comportamento sexual.
PALLAS EDITORA
Referência em cultura afro-brasileira
A Pallas Editora dedica grande parte de seu catálogo a temas afrodescendentes e à cultura popular. A casa editorial, fundada em 1975, busca recuperar e registrar tradições religiosas, linguísticas e filosóficas dos vários povos africanos trazidos para o Brasil durante o regime escravista. Em 1992 a editora Cristina Fernandes Warth lançou um trabalho pioneiro de articulação sobre a cultura afro-brasileira, dando início à publicação de livros que são referências em antropologia, sociologia e etnologia.
Mariana Warth integrou a equipe da Pallas em 2002 e tem se dedicado, entre outros projetos, à edição de literatura infantil, com a mesma temática africana, posicionando mais uma vez a editora na vanguarda editorial. O espectro do catálogo da Pallas é amplo: da religiosidade — com o registro escrito das tradições orais africanas em nosso país — à literatura, passando por antropologia, filosofia e sociologia e livros de referência. A Editora é reconhecida, inclusive internacionalmente, por seu trabalho sobre o patrimônio africano e a cultura popular brasileira.
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