Jorge Vital de Brito Moreira
Um dos mais importantes sociólogos estadunidense, James Petras, afirmou recentemente, numa entrevista para a Rádio Centenário do Uruguai: “A política econômicatanto de Barack Obama como do Congresso não melhoraram as os verdadeiros índices de desemprego nem reduziram as desigualdades. Por exemplo, os últimos dados que temos indicam que nos EUA os 400 mais ricos teem mais riqueza que 160 milhões de pessoas. Ou seja, menos de 1% tem mais riqueza do que a metade da população. A situação pode se rmais grave.”
(“La política económica tanto de Barack Obama como del Congreso, ni han mejorado las verdaderas tasas de desempleo ni han reducido las desigualdades. Por ejemplo, las últimas cifras que tenemos indican que en Estados Unidos los 400 más ricos tiene más riqueza que 160 millones de personas. Es decir, menos del 1% tiene más riqueza que la mitad de la población. La situación no puede ser más grave.”)
Os dados recentes mostram que a parte da população composta por pretos, latinos e as mulheres, é a mais prejudicada na repartição de renda (na luta de classes) dentro dos EUA.
Assim, mais uma vez, fica demonstrado que a luta de classes, a luta racial e de gênero são os temas sociais mais importantes nesta nação e por isso, deveriam ocupar lugares privilegiados nos programas de Estudos Culturais das escolas e universidades, pois a proletarização da classe média, o aumento da discriminação laboral e salarial por diferença sexual e racial, continuam em ascensão e como diz James Petras, “a situação não pode ser mais grave”.
Pesem as evidências através dos fatos e dos dados, o discurso hegemônico da classe dominante, continua tratando de enganar ou mistificar a população do país e mundial, circulando sistematicamente duas grandiosas mentiras: 1) que a crise sócioeconômica já foi resolvida, 2) que a eleição de Barak Obama “provou” que já não existe racismo ou discriminação racial nos Estados Unidos. Nem uma coisa nem outra.
Gostaria de relatar aqui experiências racistas que sofri (a primeira quando estudante e as outras como professor universitário) desde que comecei a estudar e viver neste pais, pois elas desmentem as falsas afirmações que os defensores do sistema capitalista propagam incansavelmente entre a população estadunidense e mundial. É necessário que resistamos ao discurso hegemônico da classe dominante denunciando as experiências e os fatos que lhe contradizem,
Quando era estudante do Ph.D. em Hispanic and Luso Brazilian Literature and Linguistics of the University of Minnesota, estava acostumado, depois das aulas noDepartment of Spanish and Portuguese, a ir à Dinky Town ou à West Bank para tomar café. Nessas horas, conversava frequentemente com estudantes estadunidenses. Enquanto bebíamos café e estava acostumado a ouvir a pergunta se eu era estudante grego ou árabe. Eu, naturalmente, respondia que nasci no Brasil e que era um estudante brasileiro.
Mas os estudantes pareciam que não tinham estudado geografia, pois não sabiam onde se localizava o Brasil, nem a Argentina, nem o Uruguai, nem o Chile, nem a Bolívia, nem outros países da América do sul. A situação me fazia recordar um exemplo típico do que estou escrevendo. Aconteceu no Brasil, durante o período em que Ronald Reagan era presidente dos EUA. Durante um banquete em Brasília, Reagan levantou-se da mesa e propôs um brinde ao “povo da Bolívia”. Na minha opinião, a ignorância de Reagan (que para a colonizada mídia brasileira pareceu simplesmente uma gafe), parece ser a realidade cotidiana de milhões de estadunidenses.
No inverno, quando a neve se derretia nas cidades de Minneapolis e Saint Paul (Twins Cities) formava grandes poças dágua nas ruas asfaltadas, e era senso comum que os carros transitassem pelo meio da rua evitando molhar-se e molhar as pessoas que andavam pela calçada (sidewalk). Dado que eu era um Teaching Assistant (aluno de pós-graduação que ensinava português, espanhol e literatura aos estudantes estadunidenses) no Departament of Spanish and Portuguese, não tinha recursos para comprar um carro. Assim, era obrigado a tomar o ônibus nas paradas locais, todos os dias da semana.
Um dia estava esperando o ônibus para ir a Universidade quando vi que um Chevrolet vermelho, que se movimentava pelo meio da rua, mudou rapidamente de direção. Dirigiu-se diretamente para a grande poça de água que estava na minha frente, jogando muita água sobre meu corpo.
Devido àquela agressão, fiquei todo molhado e tive que voltar para a minha casa para trocar de roupa. Perdi a minha primeira aula e tive que esperar pelo ônibus seguinte, meia hora depois. Fiquei meditando, tratando de entender o que passou, porem não encontrava a razão para aquela agressão.
De noite, quando cheguei em casa, liguei a televisão, e escutei a noticia de que o ex presidente George Bush (o pai) decretou os bombardeios aéreos ao Iraque, começando a primeira guerra no Golfo Persico contra Saddam Hussein.
No dia seguinte, estava esperando o ônibus na mesma parada quando vi um carro Ford preto movimentando-se pelo centro da rua. Suspeitando que o motorista poderia tratar de cometer o mesmo tipo de agressão que o outro, fiquei bem atento.
Minha suspeita foi correspondida: o carro Ford mudou de direção e dirigiu-se diretamente para a poça dágua na minha frente. Rapidamente, me escondi atrás do boothde ônibus e, por frações de minutos, pude evitar um segundo banho de água.
Dali, por diante, não foi difícil entender que aqueles dois indivíduos estavam me confundindo com um pessoa nascida no Iraque, e por essa razão “merecia” aquelas agressões racistas.
Essa experiência ilustra e resume mais um capítulo da historia das minhas vivências com as atitudes e o comportamento das pessoas (parte significativa dos estadunidenses) formadas ideologicamente pela cultura hegemônica dos EUA.
Como assinalei num texto anterior, publicado em Novas Pensatas (1), uma parte significativa dos estadunidenses acreditam no discurso chauvinista, racista e discriminatório do governo, da mídia corporativa, das autoridades civis e religiosas dos EUA. Assim, as características mencionadas são manipuladas para produzir ódio racial, econômico, social e político, contra os indivíduos e grupos, de culturas e línguas diferentes da cultura branca europeia.
Como brasileiro, que viveu por 28 anos no Brasil, oito anos no México e 20 anos nos EUA (parte do tempo como um cidadão estadunidense), tenho estado chocado e indignado quando estou na presença da ignorância, dos preconceitos e dos estereótipos contra o povo brasileiro, o povo mexicano, e latinoamericanos em geral, todos propagandeados pela narrativa dominante da cultura deste país.
E, no entanto, de acordo aos dados históricos comparativos, nenhum país, na história moderna, invadiu mais países estrangeiros do que os EUA. Nenhum país tem destruído mais culturas nacionais que os EUA, nenhum país realizou mais guerra contra as nações do terceiro mundo que EUA (2), nenhum país tem produzido mais Transtorno de Estresse Pós-Traumático (PTSD) que os EUA (3). E como era de se esperar, as pessoas daqui não querem saber dos dados sobre uma realidade tão horripilante, desagradável e desumana.
Quando converso sobre o Brasil e constato que meus ouvintes não teem consciência das relações imperialistas entre os EUA-Brasil, começo a compartir informações históricas documentadas sobre o mal tratamento que os EUA tem dado a cultura e as pessoas da América Latina. Então, meus ouvintes interrompem a conversa (ou se distraem) se despedem e vão embora: não querem tomar consciência da realidade das péssimas relações entre os EUA e os países do terceiro mundo.
Assim, quando os estadunidenses falam da relação entre Brasil-EUA, a partir de suas fantasias (por exemplo, “Os EUA é um país amigo do Brasil por isso ajudamos ao povo brasileiro” ou “no Brasil, país alegre do samba, do carnaval e do futebol, não existe racismo”), ignorando a realidade da relação de exploração e opressão que nós sofremos, imediatamente trato de lhes informar que faz alguns anos (no Brasil, no Chile, na Argentina , no Uruguai), centenas de milhares de latino americanos foram vítimas (desaparecidos, torturados, assassinados), das ditaduras militares (no Brasil durou 21 anos, 1964-1985), articuladas e apoiadas pelos EUA, para beneficiar os interesses das suas corporações multinacionais. Logo depois, tenho de presenciar duas típicas reações dos meus ouvintes: 1) eles ficam carrancudos, deixam o assunto da conversa, e, depois de um adeus frio, desaparecem; ou 2) eles fingem que não ouviram o que eu disse e mudam o tema da conversa. Resumindo, os estadunidenses tratam de evitar (ou de escapar) tomar consciência da realidade terrível, dolorosa da exploração e opressão que nos toca. Desde sua perspectiva patriótica, superior e cômoda, eles simplesmente não acreditam, pensam que o que digo é mentira, e que o problema está na minha atitude negativa para o país “democrático” e “libertador”. Assim, para grande parte dos estadunidenses, é mais fácil permanecer na ignorância politica, social, econômica e cultural do que saber as feias verdades da dominação imperial.
Mais isso não acontece apenas com as informações da relação entre EUA- América Latina; acontece também com informações da relação entre os EUA- países da Ásia, da África, do Oriente Médio, e do Extremo Oriente. Aqui , na nossa vida cotidiana não se faz comentários sobre as guerras, as invasões, as torturas produzidas pelos EUA nessas regiões do mundo. Estes temas são tabus para os estadunidenses. Qualquer assunto (o tempo, a temperatura, o jogo de beisebol, Jennifer Lopes ou Britney Spears) é um bom pretexto para evitar que falemos das bombas atômicas sobre Hiroxima e Nagasaki; dos 20 milhões de vitimas produzidas pela Guerra do Vietnã; das guerras do Iraque e Afeganistão, dos assassinatos através do utilização dos drones, da espionagem massiva da SN e CIA, da tortura ou da deportação de milhões de imigrantes latino americanos.
Uma vez na Universidade de Wisconsin, uma professora branca de língua alemã falava mal dos imigrantes latino americanos (com ou sem documentos). A professora repetia a ideologia racista de que “os latino americanos chegam aos EUA para consumir os recursos e serviços que são dos estadunidenses; os latinos só servem para isso”.
Minha reação foi argumentar defendendo o direito dos trabalhadores latino americanos (grandes contribuintes da economia dos EUA) de terem legítimo acesso aos serviços de educação, saúde, assistência social do país, etc. Mas a professora não deu importância ao que eu dizia, e continuou falando racisticamente dos latinos como se nós fossemos bárbaros. Aí eu perdi a paciência. Disse-lhe que ela estava enganada; que a história era outra: “não foi a barbárie dos latino americanos que criou os campos de concentração e extermínio na Europa; foi a barbárie dos próprios brancos europeus, principalmente dos alemães”. Como ela tinha descendência alemã, ficou ainda más histérica e abandonando o respeito mútuo, começou a me agredir diretamente, vomitou a ideologia racista, e finalizou com a clássica pergunta racista: “porque você não volta para oseu país?”. Recentemente, uma colega de uma outra universidade dos EUA, apelou para os mesmos ideologemas, e agredindo-me verbalmente com a mesma pergunta: “porque você não volta pro seu país?”
Enquanto o governo racista dos EUA continue invadindo países, produzindo guerras, assassinando indivíduos, destruindo culturas das nações do terceiro mundo;
continue contando com a colaboração e a cumplicidade da mídia coorporativa para justificar e legitimar os crimes de guerra contra esses povos; continue contando com o silêncio e a apatia dos acadêmicos universitários, a luta contra o racismo, o chauvinismo, a discriminação, a injustiça social não terá o sucesso que necessita e merece.
Mas, paralelamente, a atual crise socioeconômica e cultural do sistema capitalista aprofundou a luta de classes no país e temos observado um aumento da consciência e da resistência coletiva, acompanhada da radical politização de amplos setores oprimidos (o movimento Occupy Wall Street, por exemplo) da nossa sociedade.
Para aqueles que querem participar e lutar politicamente contra o racismo, osexismo, o classicismo e a injustiça social, é necessário que, entre outras coisas, não nos deixemos enganar pelo discurso hegemônico da classe dominante. É imprescindível que deixemos de apostar na realização da reforma migratória proposta pelos demagógicos partidos democrata e republicano dos EUA; é também imprescindível deixar de acreditar nos discursos liberais-reformistas produzidos pelo multiculturalismo e pela ideologia politicamente correta, como solução viável para superar as contradições étnico-raciais, sócioeconômica-culturais, e sexuais nos EUA.
Fonte: Blog Novas Pensatas