Absolvida recentemente de um roubo que nega ter cometido, a modelo e dançarina Babiy Querino, de 22 anos, está usando máscara atualmente para sair de casa e ajudar pessoas carentes da comunidade onde mora e também presos e presas durante a pandemia de coronavírus em São Paulo.
“A mobilização em torno de mim ajudou na minha absolvição”, diz Babiy ao G1 sobre coletivos negros e artistas que acreditaram na inocência dela e pediram sua liberdade nas redes sociais.
“Agora estou retribuindo isso participando de uma arrecadação de mantimentos para quem está passando por dificuldades na favela e dentro das prisões por causa dessa doença”, fala a jovem sobre os projetos que participa: o do Bloco do Beco, no Jardim Ibirapuera, Zona Sul, e o Vidas Carcerárias Importam.
Os dois grupos recebem doações de produtos de limpeza, higiene, alimentos e dinheiro para distribuir a quem mora em periferias da Zona Sul ou presidiários e presidiárias do sistema carcerário paulista.
“Eu não estou fazendo isso [doações] só por conta dessa pandemia. O que mais está me movendo é uma promessa que fiz para as meninas quando estava presa ainda: ‘quando eu sair eu vou fazer o possível para ajudar as pessoas que estão encarceradas”, diz Babiy.
O caso de Bárbara Querino de Oliveira, a Babiy Querino, como é conhecida profissionalmente, foi noticiado em 2018, quando ela foi condenada a 5 anos e 4 meses de prisão por assalto a mão armada.
Ela conta que foi reconhecida por um casal que a confundiu com a única mulher da quadrilha, que levou o carro e pertences das vítimas. O roubo foi em 10 de setembro de 2017, mas o reconhecimento só ocorreu quatro meses depois.
Alegando ser inocente, Babiy diz ter sido vítima de racismo quando foi presa pela polícia como assaltante e condenada na Justiça pelo crime.
Segundo a modelo, ela foi confundida com uma criminosa somente porque a suposta integrante do bando seria igualmente negra e teria cabelos cacheados, como os a dançarina que ainda usa.
“Foi racismo sim”, acredita a jovem.
O irmão de Babiy assumiu o roubo, usando uma arma falsa, com outros dois rapazes, mas negou o envolvimento e a participação da modelo e do primo deles no crime. Mesmo assim, a irmã e o primo também foram condenados pelo delito.
Prisão e condenação
A modelo ainda apresentou o álibi, confirmado por outras testemunhas, de que estava participando de um vídeo clipe no litoral no mesmo dia em que o assalto foi cometido na capital paulista.
Os argumentos, porém, não convenceram a Justiça à época. Babiy ficou 1 ano e 8 meses presa na capital pelo crime que sempre negou ter praticado.
Ela esteve detida de 16 de janeiro de 2018 a 10 de setembro de 2019 no Centro de Progressão Penitenciária (CPP) no Butantã, Zona Oeste da capital. Só saiu de lá em setembro do ano passado porque completou dois sextos da pena e ganhou a liberdade condicional.
Desde então, a jovem estava cumprindo o restante da condenação em regime aberto, como determina a lei. Com as restrições impostas pela Justiça, ela não podia sair de casa após as 22h e nem deixar o a cidade onde mora com a família.
Absolvição
No último dia 13 de maio, porém, Babiy foi absolvida pela Justiça, que atendeu pedido da sua defesa para reformar a sentença que a condenou. A data da absolvição coincide com a Abolição da Escravidão no Brasil, em 1888.
“Essa data é importante, mas ela não resolveu alguns problemas que ainda existem, como o racismo”, lamenta.
Em julgamento virtual devido à quarentena em razão da Covid-19, o desembargador Guilherme Souza Nucci, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), não se convenceu da participação da modelo no assalto.
“No tocante à ré Bárbara, as provas produzidas nos autos não se mostraram suficientes para a demonstração de sua participação no crime em questão”, escreveu o magistrado na decisão.
Segundo o desembargador, o reconhecimento por foto que as vítimas fizeram de Babiy não poderia ser considerado para acusá-la.
“Os ofendidos reconheceram Bárbara em razão de seu cabelo, circunstância, no mínimo, peculiar, sobretudo pela ausência de traços diferenciais no cabelo da referida acusada”, escreveu o juiz. “O reconhecimento inicial meramente fotográfico deve ser interpretado com ressalvas”.
O casal de vítimas contou que Babiy, o irmão e o primo dela abordaram o veículo e roubaram, além do Honda Civic, celulares, cartões bancários, joias e objetos de grife, como carteiras e bolsas da Gucci e Prada. Marido e mulher estavam com a filha pequena e não se feriram. Eles também não recuperaram os bens.
“Tais dúvidas quanto à participação da ré Bárbara na empreitada criminosa, não solucionadas a contento pela produção das provas em juízo, devem beneficiar a defesa, tomando de rigor a absolvição de Bárbara no tocante ao delito previsto”, sentenciou Guilherme Nucci, que manteve a condenação do irmão e do primo da modelo.
Defesa
O advogado de Babiy, Flávio Campos, queria a anulação do processo que a condenou, mas comemorou a absolvição da cliente.
“A Justiça reformou a sentença de condenação e absolveu ela. Nós tentamos anular todo o processo, mas o processo não foi anulado, o processo foi mantido. Mas a Bárbara foi absolvida das acusações”, disse Flávio, que contou com o trabalho do casal de peritos Rosângela e Eduardo Llanos para demonstrar que Babiy era inocente.
Modelo
Para a modelo, a absolvição fez Justiça, mas o sofrimento que passou nunca se apagará das suas memórias.
“A absolvição não apaga tudo que passei. A absolvição veio, mas fiquei na cadeia e isso não sai da mente”, fala Babiy, que pensa futuramente em processar o estado por conta da sua prisão baseada em indícios frágeis, segundo confirmou a Justiça.
Enquanto suas amigas Mayara Odara, Kenya Odadra e Tatia Nefertari iniciavam do lado de fora da prisão uma campanha para soltar a modelo, dentro da prisão Babiy conheceu outras presas e suas histórias.
Pandemia
Quando deixou o cárcere, Bárbara quis ajudar mais as pessoas que estão cumprindo pena e também a própria comunidade dela, na Zona Sul da capital.
Com a pandemia, a modelo decidiu arrecadar donativos para montar cestas básicas para os mais pobres que moram em favelas.
Ela também fez contato com famílias de presos, que, por determinação da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), estão proibidas de visitar os detentos e detentas, em razão da doença.
Em busca de uma alternativa, Babiy e suas amigas fazem listas com os nomes de quem está na prisão. Depois encaixotam alimentos que podem entrar nas prisões, os ‘jumbos’, e os encaminham diretamente aos presídios.
“Eu não estou fazendo isso [doações] só por conta dessa pandemia. O que mais está me movendo é uma promessa que fiz para as meninas quando estava presa ainda: ‘quando eu sair eu vou fazer o possível para ajudar as pessoas que estão encarceradas”, diz Babiy, que após a pandemia pretende viajar e fazer apresentações de dança.