Débora Garcia, Jennyffer Nascimento e Raquel Almeida circulam pela cidade de São Paulo, principalmente em saraus nas periferias, compartilhando suas letras e vivências.
Por Simone Freire Do Brasil de fato
A produção literária feminina sempre encontrou maiores dificuldades de se inserir no mercado editorial. No recorte de gênero, a participação de mulheres negras é ainda mais ofuscada, se comparado à produção de mulheres brancas. Dentro de um cenário efervescente, escritoras negras buscam na produção independente a oportunidade de ter voz e recontar suas histórias.
Em São Paulo, Débora Garcia, Jennyffer Nascimento e Raquel Almeida estão neste processo e circulam pela cidade, principalmente em saraus nas periferias, compartilhando suas letras e vivências em livros recentemente lançados.
Do distrito de Itaquera, na Zona Leste, Débora Garcia lançou o livro Coroações, no final do ano passado. Em poucos meses, visitou mais de 30 espaços e vendeu cerca de 600 exemplares, de uma tiragem de mil. Para ela, a sociedade ainda encara os escritores negros, de forma geral, com grande estranhamento, ao passo que a música, a dança e culinária são melhores absorvidos.
“A meu ver, esse estranhamento, essa recusa, deve-se principalmente ao fato de a literatura negra distanciar-se da literatura do entretenimento. A literatura negra tem uma função social de dar vez e voz às questões do negro no Brasil. Mas continuamos produzindo, e isso é muito relevante. A cada dia mais negros estão escrevendo, publicando, produzindo conhecimento e isso, por si, já é motivo de comemoração”, salienta.
Em primeira pessoa
Uma pesquisa coordenada pela professora Regina Dalcastagnè, da Universidade de Brasília (UnB), com base na análise de 258 livros publicados no período de 1990 a 2004, registra a presença de 79,8% de personagens brancas. Protagonizar a produção da escrita torna-se então uma forma de resistir a este processo histórico de invisibilidade, seja como personagem ou autora, e resignificar os papéis sociais da mulher para além do trabalho doméstico.
Sem desconsiderar a escrita de autores importantes como Manoel de Barros, Mia Couto, Charles Bukowski, Marcelino Freire, Solano Trindade, Jenyffer conta que foi influenciada por esta ausência de representação. “Carrego nas minhas referências literárias, a marca de uma literatura escrita majoritariamente por homens, aspecto que denota a exclusão ou a falta de espaço das mulheres nesse mercado literário e na formação do leitor de forma geral”, observa.
Descobrir-se escritora, lugares e pares, diz ela, tem sido um processo contínuo. O que antes era feito apenas para conversar consigo mesma, foi transformado em ação de resistência em saraus frequentados pela cidade. “Até pouco tempo, escrever não tinha qualquer ligação com a ideia de ser escritora. Encontrei na escrita uma forma legítima de expressar dores, sensações, sentimentos, indignações, intenções, isso tudo no convívio com os poetas nos saraus. Acredito que as publicações são importantes nesse sentido: nos dão um lugar”, lembra Jennyffer.
Mesmo que timidamente, Jenyffer conta que passou a se olhar como escritora após ter sido uma das convidadas para participar da Antologia “Pretextos de Mulheres Negras”, uma iniciativa do coletivo Mjiba, lançado em outubro de 2013 com o apoio do Programa Valorização de Iniciativas Culturais (VAI) da Prefeitura de São Paulo.
Da mesma publicação, participou a poeta e co-fundadora do Sarau Elo da Corrente, Raquel Almeida, autora do recém-lançado Sagrado Sopro, do solo que eu renasço. A poetisa vê um futuro promissor ao cenário da escrita feminina que burla a invisibilidade do mercado editorial elitista brasileiro.
“Vejo que a cena literária periférica tem crescido de uma forma linda. Mas, infelizmente, ainda somos vistas como a cereja do bolo, o enfeite da mesa. No entanto, nós ‘arrombamos essa porta’ e estamos colocando os trabalhos na rua, fazendo e falando a poesia negra. Vejo que estamos nos emponderando cada vez mais e sinto orgulho de fazer parte de uma geração literária de mulheres que fazem e conquistam”, conta.