No Paraná, letra dos Racionais MC’s ajuda na remição de pena

Enviado por / FontePor Tony Marlon, de Ecoa

Uma decisão do Tribunal de Justiça do Paraná considerou a letra de “Diário de um Detento”, que narra o Massacre do Carandiru em 1992 e é conhecida nacionalmente na voz dos Racionais, como obra literária para fins de remição de pena. A decisão é inédita.

Tem esse nome o processo em que uma pessoa privada de liberdade consegue reduzir dias em sua sentença ao participar de atividades socioeducativas. Um livro, quatro dias a menos. O direito é garantido por uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi a Defensoria Pública do Estado quem fez o pedido, que estava em análise até o mês passado.

A atividade em volta da letra aconteceu em outubro de 2022 em Umuarama, dentro do “Projeto de roda de leitura para remição de pena por meio de prática social educativa em unidade de privação de liberdade”, da Faculdade Alfa Umuarama – Unialfa.

Pego carona nos pensamentos de Acauam Oliveira que sugere que o Racionais MC’s é um dos acontecimentos estéticos mais relevantes da história recente do Brasil. Quem nasceu e se constitui como sujeito a partir das periferias e favelas brasileiras nas últimas três décadas sabe disso há alguns anos, o restante do país, especialmente suas instituições, estão descobrindo agora. Antes tarde do que mais tarde.

Organizado pelas pesquisadoras Daniela Vieira e Jaqueline Lima dos Santos, que me inspiram profundamente, o livro “Racionais: Entre o Gatilho e a Tempestade é um documento essencial para entender o Brasil, os brasis e a nossa história recente. Nele, autoras e autores fazem uma análise profunda e detalhada sobre as múltiplas camadas da obra produzida pelo Racionais, do primeiro ao último álbum. Por vezes, letra por letra.

Passam por tudo: da contribuição estética do grupo para toda uma geração do rap nacional a discussões que estão na ordem do dia do debate público, como a luta contra o racismo que estrutura as instituições nacionais e a construção das masculinidades, para ficar em dois exemplos.

Se as pessoas decisoras do país passassem mais tempo lendo obras relevantes feito essa e menos a performar nas redes sociais, talvez tivéssemos alguma chance de aproximar o que pensa quem ocupa as salas com ar condicionado de última geração com as necessidades reais de quem saiu para trabalhar hoje, às 4 da manhã. Num ônibus cuja janela nem abre direito.

A obra do quarteto paulistano sempre foi relevante para esse segundo grupo de pessoas, pois entregou uma gramática social a elas: nós existimos, quase não temos direitos assegurados num país fundado e organizado pela exploração e a violência; e precisamos saber de quem cobrar.

Por isso, eu brinco, mas é muito sério: Racionais foi a aula de sociologia de uma geração, em que poucos acessaram com regularidade a matéria no ensino público. Foram suas letras que explicaram que as constantes aulas vagas que tivemos não eram uma coincidência, ou responsabilidade de professores e professoras, mas, sim, um projeto de país.

Além de “Diário de um Detento” foram lidos pela mesma pessoa o “Pequeno Manual Antirracista”, da filósofa Djamila Ribeiro e “Carta de Paulo Freire aos Professores”. Com isso, 12 dias a menos na sentença final. Livros salvam: antes, durante e depois.

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