O ano passou, a dor permaneceu, mas a luta continua

Desde que assumi a minha identidade, comecei a ver as coisas ao meu redor de outra forma, tendo sempre em mente que sou uma eterna aprendiz. Sempre estudei em escola pública e há dois anos atrás passei para o Ensino Médio (um dos períodos que parece ser mais difícil na vida das jovens negras). Naquele ano, não tive tantos problemas em relação às minhas posições, afinal estava passando pela fase de descobertas como menina negra, percebendo qual era e é o meu lugar dentro da sociedade e tendo um outro olhar. 

Por Arielly Santos, do Meninas Black Power 

O ano passou, minhas ideias começam a amadurecer e as coisas mudaram, inclusive o turno em que estudava. Passei para o matutino, o turno mais elogiado da escola. Lembro-me dos primeiros meses, numa aula de Língua Portuguesa enquanto corrigíamos alguns exercícios, onde um destes abordava o negro no Brasil há mais de 80 anos atrás. Foi quando iniciou-se um longo debate sobre a questão do sistema de cotas raciais nas universidades brasileiras. Olhei ao meu redor e a maioria dos alunos não eram favoráveis, a minoria que talvez fosse, não se pronunciava, talvez por medo de ser contrariada. Foi ali que levantei a voz dizendo que eu era a favor. De repente o silencio tomou conta de todos e me olharam como se eu fosse um ser de outro planeta. Aquela foi a primeira vez que me posicionei e defendi aquilo que eu pensava, mal sabia que a partir disso eu precisaria ser mais forte, pois a luta só estava começando.

 

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Após alguns meses, uma rádio bem conhecida em minha cidade estava fazendo aniversário, como forma de comemoração foram organizados vários shows de artistas nacionais na orla da praia, aberto à população. No grupo virtual da turma, na tentativa de intimidar-me, um de meus colegas comentou que “só daria NEGRO roubando naquele evento”, minha resposta àquele comentário inútil foi o silêncio e por isso resolvi sair dali, passando a ser tachada como “politicamente correta” pela maioria. Foi assim que se iniciaram as chacotas em cima do que eu defendia, cheguei a pensar que podia estar sendo radical.

Os meses se passaram e Agosto estava ali batendo na porta, era o mês em que ocorreria um desfile na escola e cada turma teria seus representantes. Nunca fui fã de desfiles (já que sempre o relacionam a concurso de beleza). No início me animei a participar, pois via aquilo como uma forma de representar as jovens negras que muitas vezes se retraem por culpa de um padrão de beleza que não as enquadra. Porém, logo desanimei. Ao olhar à minha volta e ser apoiada por alguns, resolvi me inscrever para o tal desfile. 

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O dia chegou e por onde andava via maquiagens, ansiedade, tensão e eu estava ali, calma e com um pouco de receio do que poderia vir, mas segui em frente. O resultado foi inesperado para muitos, mas ali estava eu, a segunda menina negra daquela escola a alcançar um dos lugares que os padrões de beleza e a baixa autoestima não permitem que muitas de nós sigamos em frente. Não podia acreditar e talvez já estivesse prevendo o que estava por vir. Fui alvo de piadas, racismo e preconceitos em forma de “opinião”. Naqueles momentos me via como Nayara Justino, Lupita Nyong’o e muitas mulheres pretas que passaram por essas e outras situações.

Lembrava-me que desde criança nunca me vi na televisão de forma que pudesse ter orgulho daquilo que eu realmente sou, mas hoje tenho grandes exemplos de mulheres negras que me orgulham e são verdadeiros espelhos. Ao pensar nelas, minhas forças se renovavam para seguir em frente. A luta pela desconstrução do racismo dentro do ambiente escolar não é fácil, e muitas vezes acaba sendo árdua, nos fazendo pensar em desistir, mas quando lembramos que no passado muitos negros e negras lutaram e não cessaram, temos mais um motivo para não desistir. O ano passou, a dor permaneceu e está cicatrizando, mas e a luta? Esta deve continuar.

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