O Brasil virou um país de gente mimada

Em sua coluna desta semana, Eliane Dias fala sobre o comportamento infantilizado e antiético do brasileito

Por Eliane Dias, na Revista Marie Claire

Eliane Dias: a empresária e advogada é colunista de Marie Claire (Foto: Caroline Lima )

Quando foi que o descaramento exacerbado ficou tão naturalizado? Será que foi no dia em que se tornou usual estacionar o carro na vaga de cadeirante, rapidnho? Ou quando recebeu troco a mais e não devolveu? Ou quando fingiu estar dormindo no ônibus para não ceder lugar à mulher grávida?

Ou, quem sabe, quando comprou algo pirata, jogou papel de bala na rua, não registrou a doméstica e depois a acusou de ser violenta, não usou o cinto de segurança, sonegou o imposto, pagou o quebra para isso ou aquilo, xingou pessoas desconhecidas pelas redes sociais, aceitou 12 milhões para espalhar mentiras pelo WhatsApp, pagou 12 milhões para garantir o corte de trabalhistas, fez uso de falsidade ideológica, colocou palavras na boca do outro, clamou pela ditadura em vista de seus próprios privilégios?

Esses pequenos delitos cresceram e chegaram a proporções assustadoras, pois abriram as portas do descaramento, do desrespeito, do racismo escancarado, da misoginia escrachada e violenta, da homofobia impune, da intolerância que mata, da falta de vergonha na cara.

Ninguém se sente constrangido com mais nada, ninguém tem mais vergonha de nada. Pensam que vão matar uma pessoa e e irão voltar para casa e tomar um chá. Lei de Talião, matar, matei, mas vida que segue.

O Brasil virou um pais de gente mimada, gente que não sabe lidar com a frustração, quer seu desejo atendido sem se esforçar para isso, gente que passa por cima de qualquer um desde, que não seja frustrado e possa postar sua fotinho feliz.

Para, chega!

Seria bem mais fácil viver no Brasil, entre outras coisas, se os homens tivessem mais  responsabilidades de homens e se comportassem como tal. Se parassem de agredir as mulheres, descontando suas frustrações com socos. Se deixassem de agir como meninos,  os donos da bola que encerram o jogo quando saem dele. Hoje, só respeitam o “Game Over” pois a máquina diz acabou e ponto final e não há o que fazer.

As crianças seriam mais felizes se as mulheres pudessem ter parto normal, evitando toda aquela descarga de adrenalina no bebê na hora de passar para uma nova fase na vida. Se o bebê, fase de crescimento, receber “não” como resposta quando chorar para entender que não é possível ter tudo na vida.

As crianças iriam respirar melhor se deixassem IOS e Android de lado e se movimentassem para criar anticorpos, brincando com outras de pular corda, pega-pega, futebol, vôlei, queimada, aprendendo a perder e a ganhar.

Teriam empatia, seriam menos frias, conheceriam mais as vidas das outras olhando em seus olhos, “face to face”, seriam mais fiéis e honestas.

As crianças precisam de colo e os adultos precisam de sorrisos sinceros. Esses adultos mau-caráter de hoje devem ter sido os maus amados de ontem, não vejo outra explicação.

Parei.

Do jeito que está não dá pra ficar, o suicídio aumentou, e a cada esquina tem uma farmácia licita ou ilícita, vale tudo para sair da realidade indecente que enoja.

Vamos juntos espalhar essa nuvem de maldade que paira sobre o país mais lindo do mundo inteiro e é o mais lindo do mundo inteiro,  porque é o nosso país.

Ainda há tempo de querer ser feliz, pois ser feliz é uma escolha, ainda há tempo de sorrir, de escolher coisas boas, de querer mais cor, de dar voz a quem respira mais amor, mais a vida, mais a alegria, mais respeito, mais empatia, mais companheirismo e felicidade.

Não é justo ir dormir e acordar pensando em matar.

Parece piegas, mas não é.

Mais amor por favor.

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