“Tu se acha melhor que todo mundo. Que tu é superior a todo mundo”, diz a personagem Val, uma empregada doméstica interpretada por Regina Casé no filme Que horas ela volta? (2015). Jéssica (Camila Vardilla), sua filha que resolve prestar vestibular, então responde: “Eu não me acho melhor não, Val. Só não me acho pior”. A personagem Jéssica se tornou símbolo de uma geração de jovens brasileiros de origem pobre que nos últimos anos correu atrás de um sonho: ingressar em um curso universitário. Políticas sociais na área da educação, elaboradas para reverter um quadro secular de exclusão e desigualdade, contribuíram para facilitar o acesso de filhos de pretos e pobres a espaços até então reservados para uma elite branca.
Há um mal estar numa parte da sociedade brasileira por conta dessa janela para os mais pobres. Não é raro no país ouvir alguém falar com demérito – ou com comentários enviesados —sobre as bolsas de estudo para mais pobres, ou as cotas raciais que beneficiam esse estrato. Na boca de uma autoridade pública, esses comentários são mais chocantes. Coube ao ministro da Economia, Paulo Guedes, esse protagonismo, como relatou o jornal O Estado de São Paulo. “O porteiro do meu prédio, uma vez, virou para mim e falou assim: ‘Seu Paulo, estou muito preocupado. Meu filho passou na universidade privada’. Ué, está triste por quê? ‘Ele tirou zero na prova. Tirou zero em todas as provas e eu recebi um negócio dizendo: parabéns, seu filho tirou…’ Aí tinha um espaço para preencher, colocava ‘zero’. Seu filho tirou zero. E acaba de se endereçar a nossa escola, estamos muito felizes”.
A fala soou caricata, embora o ministro possa argumentar que se referia a possíveis desvios no Fies, alvo de investigação na Controladoria Geral da União (CGU). A fraude mais recente foi revelada pela revista Veja em fevereiro de 2021, e dá conta de um esquema que pode ter desviado até 1 bilhão de reais dos cofres público em favor de um grupo empresários ligados a faculdades e instituições de ensino superior. Mas, essa não é a primeira vez que Guedes faz uma demonstração de preconceito e elitismo. Em fevereiro de 2020, em meio à alta do dólar, ele afirmou que a valorização da moeda era boa, pois “empregada doméstica estava indo para Disney, uma festa danada”.
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Foto em destaque: Reprodução/ El País