Os macuas e a revolta no navio negreiro na Bahia

Por Malachiyah Ben Ysrayl

Malachiyah Ben Ysrayl
Malachiyah Ben Ysrayl

Prisioneiros de guerra sequestrados do continente africano se revoltam e assumem o controle do navio Negreiro “La Amistad” em julho de 1839 e acabam confiando em dois mentirosos brancos, tripulantes sobreviventes da revolta, que os enganam e após dois meses no mar foram capturados por um navio norte-americano e levado para os USA, onde são acusados de assassinatos e levados a julgamento. Você pode assistir ao filme “Amistad” de 1997, dirigido por Steven Spielberg na nossa seção de cinema, ao lado.

Sublevações em navios negreiros ocorreram durante todo o processo do sequestro de africanos. Em 1823, na capital da província da Bahia, Macuas se rebelaram, sobre este fato é que irei escrever um pequeno relato. Para entendermos melhor esta revolta tornar-se-á necessário conhecermos um pouco sobre os Macuas.

Os Macuas (Macuas-Lomués) constituem a mais numerosa etnia de Moçambique (cerca de três milhões e outras informações quatro milhões de pessoas), país no sudeste da África, banhado pelo Oceano Índico, a leste, a Tanzânia ao Norte, Malawi e Zâmbia ao noroeste, Zimbábue a oeste e a Suazilândia e África do Sul ao sudoeste. A capital é Maputo. Há Macuas também na Tanzânia, Malawi, Madagáscar, Ilhas Seychelles e Maurícias (devido ao tráfico de escravizados).

s Macuas são os primeiros bantos a habitarem Moçambique
s Macuas são os primeiros bantos a habitarem Moçambique

Os Macuas são os primeiros bantos a habitarem Moçambique e entre diversos significados: M’ Makhuwa significa aquele que é selvagem, aquele que come ratos, aquele que anda nu. M’ Makhwa significa também aquele que vem do interior do país (da floresta). Antes da invasão portuguesa eles eram conhecidos como o “povo que guarda segredos”.
Possuem uma sociedade matrilinear (Os anciãos reuniram-se então e tomaram uma decisão: o homem, quando casa, passa a viver com a família da esposa, mas não tem nenhuma autoridade sobre os seus filhos. Só sobre os filhos da sua irmã).

Os Macuas migraram para a região no século XI da nossa era comum , mas, os Macuas discordam e afirmam que foram criados por Muluku nas montanhas Namuli, nas margens do rio Zambeze, a partir das raízes de um embondeiro (Baobá) – a chamada árvore dos mil anos.

Acreditam que Miyo kokhuma o Namuli (fui gerado no monte Namuli). Consideram a vida como um valor absoluto e para eles é impossível negar a existência de Muluku (Deus): seria negar a própria vida. Muluku (Deus) é um só, criador de todas as coisas, dono de tudo e senhor da humanidade. Segundo um provérbio popular, Deus chama os homens anaka (meus filhos).

Os Macuas resistiram à invasão portuguesa e quase 60% da população entre 1950 a 1970 empreenderam fugas para outras regiões resistindo ao trabalho forçado, pelo Governo colonial português. Resistiram também queimando sementes, recusavam ao trabalho forçado e foram chamados de preguiçosos pelos colonialistas. No Brasil também os prisioneiros de guerras e seus descendentes resistiram dessa forma conhecida como desamor ao trabalho. Os pretos foram chamados de preguiçosos quando resistiam ao trabalho forçado pelos senhores, por isso na Bahia, se criou o mito do “baiano preguiçoso”, “Baiano festeiro” que não passa de uma alusão à resistência a escravidão.

São belíssimos os provérbios Macuas e com a invasão portuguesa, novos foram criados, entre eles, uma censura aos líderes que mantinham relações com os invasores.

– O branco é como o fogo, quem lhe toca queima-se.

Censura as relações inter-raciais das mulheres:

– “Deus criou o branco e também o negro”. Mas, o “café com leite” quem o fez foi o português.

A MÚSICA A DANCA E O CANTO EM MOCAMBIQUE (02 DE 04)

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A REVOLTA DOS MACUAS NO NAVIO NEGREIRO

Infelizmente, Macuas juntamente com os Tumbuka, Yao, Makonde, Maravi (Chewa e Nyanja), Manyka, Ronga, Chopi, Shangaan e outros grupos étnicos, foram prisioneiros de guerras e sequestrados através do Oceano Indico de diversas regiões da chamada Costa Oriental da África e não recebem a mesma importância em estudos dos prisioneiros do Tráfico Transatlântico. Mas, estudos em quilombos tem provado a influência destes povos na sua formação e diversas influências culturais nas regiões Nordeste e Sudeste do Brasil. Em outro momento discutiremos sobre este assunto.

Na década de 80, quando pesquisava quilombos no Arquivo Público do Estado da Bahia, encontrei um documento que falava dessa revolta, e a citei no meu livro Bahia: Terra de Quilombos. Não entrei em detalhes, porque o meu foco era estudar comunidades quilombolas. Resistências de prisioneiros de guerras, escravizados no Brasil, nos encontramos a todo o momento e em qualquer arquivo histórico que contenha documentos do Brasil Colônia e Império.

A revolta dos Macuas ocorreu em um navio tumbeiro que se destinava a Bahia em 1823 e nos autos são citados alguns nomes: Umpulla, Muquita, Macu, Mamatundu e Macutandu. Na revolta atiraram ao mar diversos tripulantes do navio e espancaram outros com pedaços de madeira. A revolta foi contida e os Macuas levados à cidade de Salvador-Bahia para serem julgados.

Nos autos, o Macua Muquita foi ouvido e informou que o preto ladino José Toto havia participado ativamente e “insinuado” a revolta. José Toto também é citado por Lauriano, outro preto ladino, como a pessoa que aconselhou os Macuas a revolta.

A revolta foi necessária porque os africanos acreditavam que seriam comidos pelos brancos, não compreendiam tanta violência, acorrentados em navios, sofrendo torturas, fome e sede, distante de familiares e amigos, e vendo diversos prisioneiros de guerra serem jogados ao mar, entre outras perversidades.

A REVOLTA DOS MACUAS NO NAVIO NEGREIRO
A REVOLTA DOS MACUAS NO NAVIO NEGREIRO

Evidente que a revolta dos Macuas não teve o desfecho dos prisioneiros de guerra do navio “La Amistad”, eles foram condenados e como era de práxis provavelmente enforcados para servir de exemplo e terror aos africanos em terras do martírio.

Fonte: Bayah

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