Ouvindo a voz da filosofia africana

Sempre que ouvimos sobre filosofia, remetemos normalmente a uma em específico: A filosofia europeia. Ao decorrer da vida acadêmica, temos um acesso de livros didáticos que unicamente mostram essa espécie de filosofia em particular. Ao nos debruçarmos sobre o livro “Fundamentos de Filosofia”[1], de Gilberto Cotrim e Mirna Fernandes, percebemos a carência de filósofos de diferentes culturas, nacionalidades e etnias.

Por Bianca Alves Martins, Diélly Nara Teixeira Lima e Débora Vieira Costa, estudantes do Instituto Federal do Ceará- Campus Boa Viagem, cursantes do 1° ano do ensno médio. Orientado pelo professor, mestre, em Filosofia, Rafael Menezes para o Portal Geledés

Cheikh Anta Diop – Imagem: Comic Republic

Dentre estas filosofias silenciadas notamos a filosofia africana. O filósofo Cheikh Anta Diop nos traz diversos caminhos para chegar a uma conclusão efetiva sobre a existência da filosofia africana. Nesta discussão trabalharemos sobre alguns dos argumentos expressos em seu texto “A origem dos antigos egípcios”[2], o qual mostra que o antigo Egito era composto por negros, diferentemente de como é retratado nos livros didáticos. Levando em consideração esses fatos, mostraremos também, segundo a constituição federal como a lei 10.639 se impõe sobre isso.

Conforme a lei 10.639/2003 Art.26-A, temos a seguinte menção: “Nos estabelecimentos de ensinos fundamentais e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre história e cultura afro-brasileira”[3]. Entretanto, é notável que não ocorre o cumprimento devido referente a essa lei. Percebemos então que, atualmente, sem a realização da mesma, podemos considerar tal fato como um ato de racismo que, de acordo com o Dicionário Oxford de filosofia[4], é definido como “inabilidade ou recusa para reconhecer os direitos, as necessidades, a dignidade, os valores, as pessoas de um grupo racial particular de determinada região geográfica diante a cultura negra”.

Transcrevemos um dos argumentos expostos do filósofo Diop: “No livro didático destinado ao curso colegial encontramos a seguinte frase: O negro se distingue menos pela cor da pele (pois existem brancos de pele negra) do que por suas feições lábios grossos, nariz chato”[5]. Através da citação de Diop, vemos que foi mencionado que o negro foi menos distinguido pela a cor de sua pele, o que gera inúmeros pensamentos, pois, visualmente é notório o classificar por sua cor.

Diante disso é notável a presença do racismo, por deixar claro que quando um negro se distinguir de um grupo social, ele será encarado como branco, que por sua vez, silenciará a voz negra e trará uma preferência à cultura eurocêntrica. Porém, devemos levar em consideração que nem tudo é dos brancos, pois até o nascimento da humanidade foi negra.

Quando nos referimos aos egípcios, a primeira coisa que nos vem em mente é sua pele branca, mas segundo as hipóteses distribuídas no livro de Diop, os egípcios eram negros e os mesmos se autodeclaravam desta forma. Na literatura alguns termos cristalizavam a ideia da cor negra. “Os egípcios tinham apenas um termo para designar a si mesmos = kmt = ‘os negros’”[6]. Este é o termo mais forte na língua egípcia para representar a cor preta. Segundo Diop, preto ou negro era o fator preponderante para definir, inclusive, os principais deuses do Egito.

Nota-se ainda no texto de Diop os testemunhos históricos da existência de uma população negra no Egito. Conforme o cientista e filósofo Aristóteles: os negros são covardes, como os egípcios e etíopes[7]. Ou, Luciano, escritor grego, que descreve o egípcio, no diálogo entre Licino e Timolaus, como um preto de lábios grosso e pernas finas.[8]Ainda, Amianto Marcelino, historiador latino, afirma que a “maior parte dos homens do Egito são negros ou morenos, com uma aparência descarnada”[9].

Percebemos aqui diversas afirmações de autores antigos que expressam claramente a cor da população egípcia antiga, suas características corporais, como lábios e pernas, assim como demonstram que a maioria da população é negra.

Diversos outros argumentos são apontados por Diop mostrando que a população egípcia era fundamentalmente negra, entre eles são utilizados a medida dos ossos dos egípcios, a quantidade de melanina, biologia molecular, entre outros. Não podemos tratar de todos os argumentos aqui, mas notamos que o silenciamento da filosofia africana, se deu ao eurocentrismo e na omissão dos reais fatos obtidos pelo filosofo e historiador Cheikh Anta Diop.

Visto isso, é importante salientar que outras vozes devem ser ouvidas. Todo e qualquer conhecimento é significativo para o desenvolvimento de qualquer ser. Vozes independentemente de cor devem ser ouvidas, pois pertencem ao âmbito histórico e social.

Pela análise proposta nessa discussão, notam-se várias evidências claras sobre a negritude do Egito antigo. Essa civilização localizada no continente africano, foi um dos espaços mais desenvolvidos da história antiga. É de extrema importância ressaltar que possuíam várias construções e ideias feitas por negros.

Tudo isso nos mostra a importância dos povos negros para a história da humanidade. Essa conclusão foi baseada diante ao texto “A origem dos antigos egípcios”. Eis, portanto, o momento de pensar que a filosofia africana traz consigo uma grande carga de pensamentos e culturas, sendo assim com o intuito de considerar, uma filosofia de extrema importância para o material didático nas escolas, aplicando-se em ensinos fundamentais, médios e superiores, contribuindo para uma melhor formação cultural e social.

Tal fato ainda nos leva a pensar por que a lei 10.639/2003 ainda não é seguida nos materiais didáticos brasileiros. Como apontamos acima, o descumprimento dessa lei também mostra uma face racista ao silenciar a filosofia africana, a qual remete diretamente à cultura e história negra.

 

Referências Bibliográficas:

BLACKBURN, S. (org.) Dicionário Oxford de Filosofia. São Paulo: Zahar, 1997.

BRASIL. Lei 10.639 de 9 de janeiro de 2003. D.O.U. de 10 de janeiro de 2003.

COTRIM, G. et FERNANDES, M. Fundamentos de filosofia. 4 edição. São Paulo: Saraiva, 2016.

DIOP, C.A. A origem dos antigos egípcios. IN: MOKHTAR, G. (Org). História Geral da África: A África antiga. São Paulo: Ática/ UNESCO, 1983. Cap. I, 39-70.

 

[1]COTRIM, G. et FERNANDES, M. Fundamentos de filosofia. 4 edição. São Paulo: Saraiva, 2016.

[2]DIOP, C.A. A origem dos antigos egípcios. IN: MOKHTAR, G. (Org). História Geral da África: A África antiga. São Paulo: Ática/ UNESCO, 1983. Cap. I, 39-70.

[3]BRASIL. Lei 10.639 de 9 de janeiro de 2003. D.O.U. de 10 de janeiro de 2003.

[4]BLACKBURN, S. (org.) Dicionário Oxford de Filosofia. São Paulo: Zahar, 1997.

[5]DIOP, C.A. Op. Cit., p. 42.

[6]DIOP, C.A. Op. Cit., p. 56. Grifo do autor.

[7]DIOP, C.A. Op. Cit., p. 51.

[8]DIOP, C.A. Op. Cit., p. 51.

[9]DIOP, C.A. Op. Cit., p. 55.


** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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