Para Antonieta de Barros: Uma carta para minha ancestral – Por Verônica Lima

Lamento te contar, Antonieta, que depois de você nenhuma mulher negra foi eleita deputada estadual no seu estado. Mas sinto que isso pode mudar em breve

Por Verônica Lima *

Querida Antonieta,

Escrevo essa mensagem após mais um Julho das Pretas. Esse mês é temático por conta das celebrações do Dia Nacional de Tereza de Benguela e do Dia Internacional das Mulheres Negras Latino-americanas e Caribenhas, comemorado no último dia 25 de julho. Incrível, não? E veja só que coincidência: Julho também foi o mês do seu aniversário! Você completaria 120 anos.

Imagino que a informação de um mês inteiro dedicado às mulheres negras possa parecer surpreendente. Depois de muita luta, conseguimos construir esse momento para nos reunirmos e construirmos uma agenda coletiva de luta. Se hoje isso é possível, devemos imensamente a você e tantas outras pioneiras que pavimentaram o caminho que hoje trilhamos. “Nossos passos vêm de longe” é o nosso lema, quase um mantra.

Atualmente exerço um mandato como vereadora da cidade de Niterói, no Rio de Janeiro. Como muitas parlamentares negras, lutei contra muitos obstáculos para ser eleita e poder utilizar essa plataforma para transformar a nossa realidade.

É claro que não preciso te dizer o quanto é difícil. Afinal, você foi a primeira mulher negra eleita para um cargo político, ainda em 1934, como deputada estadual por Santa Catarina. Infelizmente, você ainda não tem o reconhecimento que merece, embora muitas pesquisas, como as de Luciene Fontão e Karla Nunes, tenham se debruçado sobre o seu legado em defesa das populações mais vulneráveis, das mulheres e do poder da educação popular.

Vanguardista, você já apontava o feminismo como uma urgência em defesa dos direitos das mulheres e não tinha medo de se posicionar contra aqueles que tentavam te intimidar por ser quem você é. A política e os espaços institucionais são historicamente excludentes, dominados pelos homens. Imagino, portanto, que como única mulher negra no parlamento, em meio a homens brancos, no Sul do país, sua atuação não tenha sido fácil. Você não escapou de ataques racistas e misóginos de seus opositores, mas sempre soube responder à altura.

Muito embora, aqui em 2021, nós, mulheres negras, já estejamos ocupando inúmeros cargos políticos país adentro, ainda somos vítimas de violências, intimidações, tentativas de silenciamento e invisibilização. Um grande desafio para nós tem sido a busca por segurança para exercermos nossos mandatos. Muitas de nós temos sido ameaçadas por conta das atuações revolucionárias desempenhadas. Mas te tranquilizo: Assim como não te calaram, não nos calarão! Contra isso, temos buscado o aquilombamento, o fortalecimento dos nossos laços e redes de apoio.

Lamento te contar, Antonieta, que depois de você nenhuma mulher negra foi eleita deputada estadual no seu estado. Mas sinto que isso pode mudar em breve. Em todo país, eleição após eleição, temos avançado em números de candidaturas e conseguido resultados expressivos. Os ventos estão mudando. Está cada vez mais perceptível que não dá para fazer política sem nós. Você mesma já demonstrava isso.

Lá atrás, você já sentia na pele os impactos do racismo e do sexismo nas vidas das mulheres negras, como diria a filósofa Lélia Gonzalez. Hoje em dia, as feministas negras falam em interseccionalidade: o reconhecimento das demandas específicas que nós enfrentamos na sociedade. Não há como pensar em feminismo sem pensar nas particularidades de cada uma de nós.

Por isso, acho indispensável lembrar o seu nome. Reconhecer o seu pioneirismo. Reverenciar a sua história como parte da nossa ancestralidade para que possamos pensar num novo projeto de sociedade. Você, assim como tantas outras, faz parte do nosso corpo coletivo. Sua chama segue acesa em nós!

Que possamos ecoar, não só nos Julhos das Pretas, mas em todos os momentos, nomes como o de Antonieta de Barros e outras mulheres negras que dedicaram suas vidas à luta por dignidade, respeito e cidadania. Vivam as mulheres negras!

O futuro é negra!

*Verônica Lima é vereadora em Niterói (PT).

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