A mulher negra que foi agredida com chute e soco no rosto durante uma abordagem policial em frente à casa dela, em Macapá, vai prestar nesta terça-feira (22) o primeiro depoimento sobre a ocorrência na delegacia e também na Corregedoria da Polícia Militar. Ela vai ser ouvida pelos investigadores do caso, que ocorreu na última sexta-feira (18). Os policiais foram afastados do trabalho.
A pedagoga Eliane do Espírito Santo, de 39 anos, vai relatar nesta manhã como foi a ação dos três policiais militares que resultou em violência. Ela também afirma que ouviu ofensas racistas durante a condução dela à delegacia a bordo da viatura.
A Polícia Militar (PM) do Amapá disse tratar-se de um caso isolado e apura a abordagem. Os agentes foram afastados das funções. A corporação não revelou os nomes deles, nem quando serão ouvidos.
O Ministério Público do Amapá (MP-AP) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) estão entre as entidades que se manifestaram contra a ação policial e que cobram celeridade e transparência no caso.
Os órgãos informaram que vão acompanhar os desdobramentos sobre o caso ocorrido na frente do filho de Eliane e registrado por câmeras de segurança.
No domingo (20), o governador Waldez Góes descreveu que a ação foi “recheada de atitudes racistas”. Por isso, ele informou que determinou ao comando da PM a “apuração criteriosa e rápida dos fatos”.
— Waldez Góes (@waldezoficial) September 20, 2020
‘Foi uma tortura’
Após ser agredida com um soco, a mulher foi levada para a delegacia, onde foi liberada após pagar R$ 800 de fiança.
“Para mim isso foi uma tortura, mexeu muito com meu psicológico. […] Eu fui chamada de ‘preta’, fui chamada de vagabunda por eles na delegacia. Eu me senti ofendida e para mim foi um preconceito muito grande, porque éramos os únicos negros ali”, disse Eliane.
“O correto era todo mundo ser ouvido. Por que eu vou pagar fiança por um crime que eu não cometi? Por que o policial me agrediu se eu não ofendi ele e estava apenas fazendo um vídeo?”, completou.
A abordagem aconteceu na sexta-feira (18) à noite, numa região chamada Loteamento São José, na Zona Norte da capital. Ela não era o alvo da ação, mas começou a gravar e a questionar a maneira como o trabalho dos policiais era conduzido.
A pedagoga foi então imobilizada, agredida e presa por resistência, desacato e desobediência. As imagens gravadas pelo filho dela mostram a equipe abordando primeiro dois homens. Em seguida, um dos militares dá voz de prisão a Eliane. Ela é algemada e levada para a viatura.
Entenda o caso
De acordo com Eliane, a abordagem iniciou quando ela estava dentro do carro de um amigo da família, na frente de casa. No veículo estavam ela, o marido, dois amigos, um adolescente de 15 anos, e uma sobrinha de 4 anos.
A pedagoga descreveu que três policiais militares iniciaram a revista nos homens, enquanto mandaram ela ir para o outro lado da rua. Eliane também começou a gravar um vídeo do próprio telefone, que foi apreendido pela equipe.
O marido dela, Thiago da Silva, também foi detido pelas mesmas acusações. Eliane afirmou que, antes de ser presa, ele também questionou a abordagem; em seguida um dos policiais teria mandado ele calar a boca, o chamado de “vagabundo”, e dado um soco nele.
“A polícia já abordou a gente apontando as armas para o carro. Abordou todo mudo menos eu; um deles deu um soco no estômago do meu marido. Eu falei para a equipe liberar o adolescente porque ele é do interior, e estava sob minha responsabilidade. Eu atravessei, fiquei na calçada de casa. Só um deles me agrediu”, comentou Eliane.
“A abordagem inicial foi me engasgar, me deu rasteira e me ‘murrou’. Eu não tive reação, eu apanhei, só fiz gritar para a população ver o policial me agredindo desnecessariamente. Em nenhum momento houve desacato, em momento algum eu o agredi verbalmente, ele que já veio me agredindo fisicamente”, acrescentou.