Linda Pereira diz ao Contacto que pensou em voltar para Portugal, mas espera ver “a justiça ser feita” e, por isso, vai continuar em Sosnowiec.
no Wort

“Tenho medo, mas quero ficar. Depois de tantos apoios que tenho recebido e de muita gente me dizer que precisa de mim aqui, estou cada vez mais convencida de que devo ficar para fazer frente a isto, porque a dor agora é mais psicológica. Podia voltar para Portugal, mas não iria ficar descansada se voltasse as costas depois do que aconteceu e não visse o resultado das investigações. Quero ver a justiça ser feita. Mas é claro que, enquanto os culpados estiverem à solta, tudo pode acontecer – se já agrediram, podem voltar a fazê-lo”, diz Linda Pereira, a jovem portuguesa de 25 anos e origem guineense que foi alvo de agressões racistas num bar da localidade polaca de Sosnowiec.
Vários dias depois da brutal agressão de que foi vítima, a estudante de Erasmus + que trabalha com crianças em situação vulnerável no projeto do Corpo Solidário Europeu reconhece ao Contacto que, apesar dos apoios, a violência está ainda muito presente. “Ainda acordo a meio da noite com pesadelos por causa do que se passou. As lembranças estão sempre a voltar. Tento andar acompanhada, não saio à rua depois das quatro da tarde, altura em que começa a escurecer por aqui, mas no outro dia fui ao pão e assim que vi alguém parecido com quem me agrediu, fiquei logo com medo”, conta em tom emocionado.
Entre os apoios que recebeu, Linda Pereira refere também as mensagens de portugueses e não só sobre outros casos de racismo. “Uma rapariga indiana escreveu-me a dizer que tinha sido atacada com gás pimenta em Varsóvia. E um queniano contou-me que é muitas vezes pisado de propósito nos elétricos em Katowice”, indica.
Ajudar as crianças
Apesar das agressões racistas que a atingiram, a portuguesa mantém-se empenhada no projeto do dia a dia. “Esta era uma cidade industrial que entrou em crise e, por isso, enfrenta uma taxa de desemprego muito elevada e graves problemas sociais. É por isso que há muitas crianças em situação desfavorecida e trabalhar com elas é muito gratificante. No fundo, penso que se identificam comigo. Estou a aprender em termos culturais e quero que os mais novos também aprendam comigo. É importante ensiná-los desde bem cedo que alguém que tenha uma pele de cor diferente não significa que é criminoso, é preciso que aprendam a não desumanizar o outro”, explica.
Depois de ter conversado com o cônsul de Portugal, Linda foi informada de que tinham sido estabelecidos contactos com “o departamento responsável pelas investigações, mas invocaram o segredo de justiça para não darem pormenores e, por isso, não se sabe se já prenderam os tipos” responsáveis pelas agressões.
Sobre as razões que a levaram a escolher a Polónia para o Erasmus depois de se ter licenciado em Sociologia no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, Linda refere: “Já tinha estado noutros países, como Inglaterra e Irlanda, e queria experimentar algo de diferente, uma outra cultura. Era uma forma de sair da minha zona de conforto e fiquei sensibilizada com a atenção das associações locais. Nunca pensei que a minha vida pudesse ficar em perigo por causa desta escolha”.