– Dou aula de porta aberta por medo do que os alunos possam fazer. Não dá para ficar sozinha com eles – diz Liz*, professora de inglês de dois colégios públicos da periferia de São Paulo. Em 15 anos de aulas tumultuadas e sucessivas agressões (de ameaças de morte a empurrões e tapas na frente da turma), a professora chegou a tentar suicídio duas vezes, primeiro por ingestão de álcool de cozinha, depois por overdose de remédios.
Por: Ricardo Senra – Fotos: Ricardo Senra, do BBC
– Me sentia feliz quando comecei a dar aulas. Hoje, só sinto peso, tristeza e dor – diz.
A violência contra professores foi destacada por internautas em consulta nas redes sociais promovida pelo #salasocial, o projeto da agência britânica de notícias BBC que usa as redes para obter conteúdo original e promover uma maior interação com o público.
Em posts no Facebook e no Twitter, leitores disseram que a educação deveria merecer mais atenção por parte dos candidatos a cargos públicos.
A pedido da BBC , internautas, entre eles professores, compartilharam, via Facebook, diferentes relatos sobre violência cometida contra profissionais de ensino. Houve também depoimentos feitos via Google+ e Twitter.
Segundo o psiquiatra Lenine da Costa Ribeiro, que há 25 anos faz sessões de terapia coletiva com educadores no Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual, o trauma após agressões é o principal motivo de licenças médicas, pânico e depressão entre professores. “Mais do que salários baixos ou falta de estrutura”, ressalta.
O problema, de acordo com especialistas consultados pela BBC , seria resultado da desvalorização contínua do professor, do descompasso entre escolas e expectativas dos alunos e de episódios de violência familiar e nas comunidades.
Lápis afiado
A primeira tentativa de suicídio aconteceu assim que Liz descobriu que estava grávida.
– Quando vi que teria um filho, fiquei desesperada. Eu não queria gerar mais um aluno – diz a professora, que bebeu álcool de cozinha e foi socorrida pela mãe.
A segunda aconteceu em abril do ano passado, após agressões consecutivas envolvendo alunos da primeira série de uma escola municipal e do terceiro ano do ensino médio de um colégio estadual, ambos na Zona Sul de São Paulo.
– Começou com um menino com histórico de violência familiar. Ele atacava os colegas e batia a própria cabeça na parede. Um dia, para chamar minha atenção, ele apontou um lápis bem apontadinho e rasgou o rosto de uma ‘aluna especial’ que sentava na minha frente – relata.
Ela conta que o rosto da aluna, que tem dificuldades motoras e intelectuais, ficou coberto de sangue.
– Violência gera violência – diz Liz, ao assumir ter agredido, ela mesma, o menino de 6 anos que machucou a colega com o lápis.
– Empurrei ele com força para fora da sala. Depois fiquei destruída – conta.
Na semana seguinte, diz Liz, um aluno de 16 anos a “atacou” após tentar mexer em sua bolsa.
– Ele disse que a escola era pública e que, portanto, a bolsa também era dele. Eu tentei tirar a bolsa, disse que era minha e então ele pulou em cima de mim na frente de todos – relata.
O adolescente foi suspenso por seis dias e voltou à escola. O mesmo não aconteceu com Liz, que pediu licença médica e se afastou por um ano.
– Não me matei. Mas não estou convencida a continuar vivendo – diz.
Quadro negro e giz
A professora de inglês diz que a gota d’água para buscar ajuda de um psiquiatra foi quando percebeu que estava se tornando “muito severa” com a própria filha, de 6 anos. “Ali eu vi que estava perdendo a vontade de viver”, diz. “A violência na escola é física, mas também é moral e institucional. Isso acaba com a gente”, afirma.
A educadora diz que, nas duas oportunidades, não procurou a polícia por “saber que nada seria feito e que os policiais considerariam sua demanda pequena perto das outras”.
Para a educadora, o modelo atual das escolas estaria ultrapassado, o que tornaria a situação mais difícil. “Na sala de aula, eu dou aula para as paredes. E se o aluno vai mal, a culpa é nossa. Essa culpa não é minha, eu trabalho com quadro negro e giz. Enquanto isso os alunos estão com celular, tocando a tela”, observa.
Em comentário enviado via Facebook, Jorge Marcos Souza foi um dos internautas que destacou o problema
Em tratamento contínuo, ela diz que está, aos poucos, se afastando do ensino na rede pública.
– Dou aulas particulares também. E estes alunos eu vejo crescendo, progredindo – diz.
Abandonar a escola, diz a professora, seria o caminho para resgatar sua autoestima.
– A alegria do professor é ver o progresso do aluno. É gostoso ver o aluno crescer. A classe toda tirar 10 é o maior prazer do mundo, vê-los entrando na faculdade é a nossa alegria – diz. “Mas não é isso o que acontece”.
Violência contra professores
Segundo a Prova Brasil, do Ministério da Educação (MEC), um terço dos professores que responderam ao teste em 2011 disse ter sido agredido verbalmente por alunos. Um em cada dez afirmou ter sofrido ameaças e aproximadamente um a cada 50 disse ter sido agredido físicamente por estudantes.À reportagem, o MEC afirmou que promove o projeto “Escola que Protege”, cujo objetivo é “prevenir e romper o ciclo da violência contra crianças e adolescentes no Brasil. A intenção é que osprofissionais sejam capacitados para uma atuação qualificada em situações de violênciaidentificadas ou vivenciadas no ambiente escolar”.A secretaria da educação do Estado de São Paulodisse entender “que o enfrentamento à violênciano ambiente escolar deve ocorrer em diversas frentes, que englobam polícia, comunidade escolar e família. A pasta desenvolve desde 2009 em todas as 5 mil escolas paulistas o Sistema de Proteção Escolar, programa que orienta as equipes gestoras e apoia professores e alunos envolvidos em situações de vulnerabilidade”.
A pedido da professora, o nome real foi mantido em sigilo.