Programa Pé de Meia exige gestão integrada entre ministérios

Esforço conjunto pode garantir eficácia; ensino médio demanda mais atenção

O programa federal Pé de Meia, que prevê o pagamento de uma bolsa mensal e outros bônus para alunos de baixa renda matriculados no ensino médio público, tem potencial para ser um divisor de águas, gerando mobilidade social para a juventude brasileira, sobretudo a juventude negra.

É uma iniciativa inovadora, pois cria um fundo para atender ao programa, permitindo a participação dos demais entes federativos e, mais original ainda, autoriza a transferência de vários ativos ociosos no âmbito financeiro para o fortalecimento dos recursos a serem investidos na juventude empobrecida.

Nessa etapa escolar ocorre uma evasão corrosiva do futuro da juventude periférica. Os jovens abandonam os estudos em busca de um trabalho que não existe para quem não tem formação e entram numa espiral de subempregos de remuneração irrisória. Tem-se ainda uma alternativa pior: muitos que estão nesse limbo acabam sendo aliciados pelo mundo do crime em um caminho, muitas vezes, sem retorno e com gravíssimas repercussões para toda a sociedade.

De acordo com análise feita pelo Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra) com base no Censo Escolar da Educação Básica de 2019, a taxa de abandono dos estudantes negros no ensino médio foi aproximadamente o dobro da dos estudantes brancos: 9,3% e 5%, respectivamente. Apesar de a iniciativa não ter recorte racial, esses dados evidenciam a importância do programa para as famílias negras, reconhecidamente mais vulneráveis.

O programa apresenta algumas condicionalidades fundamentais, como frequência escolar (80%) e aprovação no Enem no final do curso, o que estimulará muitos desses jovens a continuarem os estudos. Entretanto, para o pleno sucesso da iniciativa, é necessário melhorar a qualidade do ensino médio, bem como atingir a maioria dos 6,9 milhões de alunos desse grupo.

Como o programa tem como foco a juventude empobrecida, para que o potencial da iniciativa se cumpra será necessário um esforço multiministerial que, sob a liderança do Ministério da Educação, agregaria outros órgãos com o objetivo de garantir uma gestão eficaz e inovadora.

Dentre as condicionalidades, precisam ser incluídas obrigações como a participação em palestras e exposições via ensino a distância. Temas como drogas, gravidez precoce, violência doméstica, risco de aliciamento para o crime e oportunidades educacionais futuras nos remetem aos ministérios da Saúde, da Mulher, da Igualdade Racial, dos Direitos Humanos e do Trabalho, cuja sistematização metodológica caberia ao Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos.

Sob gestão multidisciplinar, o programa teria um alcance maior. Além do combate à evasão, teríamos um constructo com o mérito singular de enfrentar em uma única ação diferentes problemas de natureza grave, como a absurda mortandade e o encarceramento da juventude.

A iniciativa tem potencial para mudar a cara do país, e seu sucesso poderia convencer os governadores a também contribuir para o fundo que financia a iniciativa.

O programa, a médio prazo, poderá ainda reduzir o tamanho do Bolsa Família, que cresceu exponencialmente, atingindo cerca de 22 milhões de lares. Entendemos que os jovens encaminhados e mais bem formados auxiliarão na emancipação econômica de suas famílias.

Portanto, a denominação “pé de meia” não alcança nem de longe o real potencial desse programa, que pode calibrar os nossos sonhos tão modestos frente aos nossos agudos desafios sociorraciais. Caberia um subtítulo que remeta ao sucesso da juventude e ao futuro do país.

Mediante os naturais ajustes de percurso e gestão inovadora e adequada para o público-alvo, o programa poderá vir a ser o principal redutor de desigualdades do país, permitindo que os jovens de famílias de baixa renda possam também ter o direito de sonhar com um futuro promissor. A ausência desse direito vem sendo o maior delito das elites brasileiras, quando se sabe que nenhum país pode desperdiçar talentos.

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