O Relatório do Desenvolvimento Humano, divulgado nesta semana pelo Pnud, agência da ONU, ratificou a tragédia que o Brasil já conhecia. Foi a educação que nos puxou para baixo no ranking do indicador global que mistura renda, longevidade e escolaridade. Após quatro anos de vaivém de ministros, ataques a educadores, demolição de políticas públicas, aprendizagem diminuiu, evasão aumentou. O país que, outro dia, festejava a volta ao top ten do PIB mundial entrou em 2023 com a expectativa de anos de estudo das crianças apontando para baixo. De que vale enriquecer sem prosperar?
Na mesma semana em que a ONU lançou o documento sobre condições de vida em 193 países, Fundação Roberto Marinho e Itaú Educação e Trabalho tornaram pública a pesquisa “Juventudes fora da escola”. Realizado ao longo de 2023, o levantamento dá pistas valiosas sobre o que passa pela cabeça de moças e rapazes de 15 a 29 anos que não completaram o ensino básico e estão fora da escola.
Ajuda também a explicar por que a faixa etária é das mais desencantadas com governo e política. No início do mês, pesquisa Quaest atestou a queda de popularidade do presidente da República. Na média, 51% aprovam, e 46% desaprovam o trabalho de Lula no Planalto. No grupo de brasileiros entre 16 e 34 anos, o resultado se inverte: 50% desaprovam, 46% aprovam. A faixa ampliada, que considera também jovens adultos, pode incluir chefes de família frustrados com o custo de vida, sobretudo inflação dos alimentos.
Na juventude, há certamente percepção de ausência de políticas públicas específicas — o Ministério da Igualdade Racial promete apresentar na semana que vem um plano para jovens negros, maioria entre encarcerados, assassinados e vulneráveis. O programa Pé de Meia, de incentivo financeiro a alunos do ensino médio, ainda não decolou; o Enem 2023 enfrentou problemas. E a duradoura crise no mercado de trabalho não arrefeceu. No último trimestre de 2023, o desemprego no país estava em 7,4%, menor patamar em quase uma década. Na faixa etária de 14 a 17 anos, alcançava 28,2%, o quádruplo; de 18 a 24, 15,3%, mais que o dobro.
Na pesquisa FRM/Itaú, os jovens se queixam da dificuldade de conseguir emprego, de conciliar escola e ocupação. E de empregadores que, ao mesmo tempo, rejeitam iniciantes com baixa escolaridade e privilegiam dedicação integral ao trabalho.
— Muitas empresas preferem que você largue o estudo para continuar no trabalho — desabafou um dos cinco jovens fora da escola contratados como pesquisadores.
Em 2022, o Brasil tinha 9,8 milhões de habitantes de 15-29 anos que não tinham concluído o ensino básico e estavam fora da escola. Representam um em cada cinco na faixa etária. São, predominantemente, pretos, pardos e indígenas; integram o grupo dos 25% mais pobres; moram em áreas rurais. A sociedade, diz a publicação, naturaliza tanto a conclusão do ensino médio pelos filhos da classe média quanto o abandono dos estudantes de baixa renda. Desigualdade escancarada.
Educação, contudo, é valor introjetado. Sobram referências ao estudo ser passaporte para “mudar de vida”, “ser alguém”, “orgulhar a família”, “dar exemplo aos filhos”. Três em cada quatro (73%) jovens, 7 milhões ao todo, querem voltar à escola. Quanto mais novos, maior o desejo: 79% na faixa 15-19 anos; 68%, na 25-29. Sete em dez se interessam por formação técnica; metade quer estudar para conseguir um emprego melhor; quase três em dez planeja chegar à universidade. Nesta semana, Lula anunciou a construção de mais cem institutos federais até 2026, com abertura de 140 mil vagas, a maioria em cursos técnicos integrados ao ensino médio.
Há barreiras ao reingresso escolar — e não só por falta de vagas. Um terço dos jovens precisa trabalhar, o que demanda horários flexíveis, cursos noturnos, modelos híbridos com aulas também on-line. Quase um em cinco tem atribuições familiares; entre as meninas, uma em três. O medo de não conseguir acompanhar os conteúdos paralisa metade.
O governo apresentou, semanas atrás, projeto para regular o trabalho de motoristas de transporte de passageiros por aplicativo. É medida para enfrentar a informalidade e oferecer um mínimo de remuneração, contribuição previdenciária, direitos trabalhistas, ainda que sem vínculo empregatício. O mesmo vem sendo pensado para os motoentregadores, categoria que, segundo o IBGE, somava 338 mil trabalhadores em 2022, metade atuando por meio de aplicativos e ainda mais informalizados e desprotegidos que os motoristas. O grupo parece mais jovem e deve estar em interseção com os que deixaram os estudos ou seguem com dificuldades. Um programa que acene para carreira, em vez de ocupação, pode pavimentar uma trajetória favorável, próspera.
As políticas públicas precisam levar em conta todas as nuances de um grupo etário diverso e numeroso. Da necessidade de renda a horário compatível com o trabalho ou jornada reduzida; do ambiente escolar acolhedor à ajuda financeira; de creche/escola para filhos pequenos a transporte subsidiado e segurança no caminho até a escola. E, sobretudo, sinais de esperança no futuro. Promessa de vida.