Protocolo negro

Falta o quê para o Brasil reconhecer o racismo e os racistas?

Quem é negro costuma cumprir um protocolo ao colocar o pé na rua. Inclui jamais sair sem um documento; não ir ao supermercado com bolsa grande; carregar a nota fiscal das compras; não correr; não fazer movimentos bruscos; e não confrontar um agente policial.

Se acha que é exagero, provavelmente não é negro. Esses são apenas alguns itens que integram o check-list dos que tentam se proteger minimamente do racismo à brasileira. Ignorar esse rito implica ficar ainda mais vulnerável aos efeitos do aparente “defeito de cor”. Porque para parcela significativa da sociedade brasileira parece que pretos e pardos não têm o direito a se defender ou reivindicar proteção do Estado.

Manifestantes pintam frase #vidaspretasimportam na avenida Paulista (SP), em prostesto pelo assassinato de Beto Freitas, em Porto Alegre – Bruno Santos/Folhapress

Foi assim com o motoboy Everton da Silva (preto), que acabou indiciado por “desobediência” depois de ser atacado com uma arma branca (canivete) por Sérgio Camargo Kupstaitis (branco) na capital gaúcha. Mesmo sendo a vítima, Everton foi abordado com truculência, jogado contra a parede, algemado e colocado atrás de um camburão pela Brigada Militar —que ironicamente foi ele quem acionou. Enquanto isso, o agressor batia papo com os brigadianos, entrava em casa para se vestir e era gentilmente acomodado no banco do carona da viatura.

Mas, segundo o governador do RS, “não podemos reagir de forma precipitada e de preconceito com a polícia”. E a sindicância da BM concluiu que não houve agressão nem racismo na abordagem. “Nunca podemos permitir que fatos isolados possam manchar a imagem das instituições”, disse o secretário de Segurança Pública do estado.

Nesse cenário, só estando muito descolado da realidade para reclamar da escola de samba Vai-Vai (SP) por retratar como infernal o tratamento dado pela polícia aos negros. Nenhuma alegoria de Carnaval se compara à gravidade do racismo institucional normalizado neste país.

A premissa para resolver um problema é admitir que ele existe. Falta o quê para o Brasil reconhecer o racismo e os racistas?

+ sobre o tema

Caso Ágatha: inquérito da Polícia Civil aponta que PM causou morte da menina

Resultado da investigação será entregue nesta terça-feira à Justiça....

Lugar de negro

Passaram-se 130 anos desde o fim da escravidão no...

para lembrar

O racismo destrói as entranhas do Brasil

O racismo estrutural existe sim, e corrói as entranhas...

Ser um atleta medalhista olímpico não apaga sua cor, diz ex-levantadora Fofão

A história da ex-levantadora Fofão, 48, preencheria vários capítulos...

Abaixo a normalidade

Amigo torcedor, amigo secador, diante de atos racistas como...
spot_imgspot_img

Chacina na Bahia faz 10 anos como símbolo de fracasso do PT em segurança

A chacina do Cabula, que matou 12 jovens negros com 88 disparos em Salvador, completou dez anos na semana passada sendo um símbolo do...

Rio de Janeiro se tornou resort do crime organizado

Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal retomou o julgamento da ADPF 635, a chamada ADPF das Favelas, pela qual se busca a elaboração de...

O silêncio que envergonha e a indignação que nos move

Há momentos em que o silêncio não é apenas omissão, mas cumplicidade. E o que aconteceu com Milton Nascimento, nosso Bituca, na cerimônia de premiação...
-+=