Sempre admirei o Laerte. Por seus quadrinhos e pelo seu humor. Por exemplo, as tiras Piratas do Tietê com sua acidez e desespero tão megametropolitanos. Também quando foi desenhista de Los Três Amigos ao lado dos superbons Angeli e Glauco, este último falecido.
Mas minha admiração se tornou exponencial quando o vi vestido de mulher. A primeira reação foi um sonoro Ops!. A segunda: quero entender mais! Passei a prestar muita atenção nas suas palavras. E ele foi se tornando uma inspiração.
Não tenho nenhum desejo de me vestir como um homem, ao menos por enquanto. A inspiração que Laerte me proporciona é a da abertura. Mais ainda, o alargamento dos horizontes de como estar no mundo e de como respeitar a subjetividade do outro.
Laerte Coutinho não apenas vestiu saia, pôs sapato alto, pendurou colar, fez unhas e cabelo. Também repaginou o cérebro, tornando-o mais elástico. Começou a disparar perguntas incômodas. Por que os comportamentos masculino e feminino são tão formatados? Por que banheiros públicos não podem ser mistos?
O mais surpreendente é que ele faz questionamentos a partir dele mesmo. Ele fala em revolução fazendo a revolução. Reflete sobre relações e conflitos de gênero sem pedir licença às ongs feministas ou à academia – espaços que se tornaram “donos” dessas discussões.
Está aí o meu fascínio. Antes ou depois de tudo, Laerte é um livre- pensador. Não usa expressões do tipo: por favor, veja bem, não me entenda mal, considerando que, se formos comparar, no mundo de hoje etc. Ele chega e despeja as dúvidas dele.
Tudo isso tem a ver com a ação, tão atual e necessária, de sairmos das nossas caixinhas. Melhor será dizer, saltar dos caixões que nos sufocam em vida. Pois se somos tão múltiplos, por que apequenar possibilidades?
É evidente que ninguém é obrigado ou obrigada a se vestir com roupas do sexo oposto para viver sua revolução. Cada um com suas dúvidas e verdades. Afinal, a mudança de guarda-roupa começa dentro da nossa cabeça. Pensar grande é pensar diferente.
Fonte: Yahoo