Representatividade para quem?

Comecei a questionar-me sobre representatividade negra nos espaços públicos, majoritariamente, por pessoas brancas, quando estava eufórica a comemorar a vitória da candidata negra, Zozibini Tunzi da África do Sul no Miss Universo 2019. Foi quando me deparei com algumas postagens no facebook que chamaram minha atenção. A primeira relativizava o prêmio de Miss Universo pela candidata negra, o que estava em questão não era o mérito da candidata em sua beleza e inteligência, mas sim se a premiação não teria sido forjada com outros objetivos, por exemplo, através da vitória de uma candidata negra o concurso ganhar maior visibilidade e simpatizantes da população negra, particularmente.

Por Fabiana Almeida Sousa, enviado para o Portal Geledés 

Sul-africana Zozibini Tunzi, Miss Universo de 2019 (Foto: Elijah Nouvelage/Reuters)

O segundo choque de realidade que me fez começar a questionar a representatividade negra foi uma charge que abordava exatamente o que questiono: a nossa ânsia por representatividade nos levando para uma armadilha. A charge dizia, mais ou menos, algo como “eles querem a cor do nosso dinheiro e não a nossa cor”. 

Estamos tão ligados no automático na ânsia por sermos representados, de ocuparmos os espaços públicos onde nossa voz possa ecoar ao ponto de não questionarmos como essas representatividades são construídas, por quem, para quem e com qual objetivo?

Não estou colocando em cheque a necessidade da representatividade negra, o que questiono é a estrutura que tem (re)produzido e mantido essas representatividades, e quem tem sido beneficiado por elas. Representatividades que favorece a visibilidade de um concurso, que torna uma emissora de TV mais adepta pelo movimento negro? 

Esses exemplos nos coloca a pensar se não estamos, apenas, ocupando os espaços que o sistema -, que já está imposto, estruturado e mantido por uma cultura branca -, permite que sejam ocupados por nós. Será que existe algum espaço interditado onde a voz da população negra continua silenciada. Pode-se mesmo falar de tudo e todas as especificidades da população negra podem ser discutidas? Ou estamos limitados numa agenda que nos é colocada de cima para baixo? Há mesmo um discurso do movimento negro ou, somente, a reprodução do velho discurso maniqueísta e que, no fim, gira em torno do capital. 

Não tenho dúvida da importância de representatividades negras nas mais variadas esferas da sociedade, mas é importante refletirmos como esses espaços são manipulados e quem está no controle. Se a nossa voz é ouvida nos lugares que outrora era silenciado, quem a autorizou? E mais importante, como a subjetividade de pessoas negras tem sido construída neste novo cenário? O próprio fato de nossa fala ter que ser legitimada e autorizada por uma sociedade em que se prevalece a cultura branca já é questão para se relativizar. 

Se as nossas histórias continuam sendo narradas por racismo e opressão, se precisamos primeiro passar pela dor para ocuparmos espaços públicos em que possamos ser ouvidos, não estamos combatendo o racismo estrutural, nem tão pouco o velho maniqueísmo branco vs negro, esses lugares estão sendo ocupados com pouca ou sem nenhuma empatia pela população branca, o que gera competição, discurso de ódio e até mesmo ataques físicos.

Já fizemos muito, mas falta o principal, subverter a ordem! Enquanto estivermos circulando nos limites dos espaços que nos é “dado” e controlado, tais representações não chegaram a quem mais precisa, em destaque, as mulheres negras que estão na base da pirâmide social, longe dos espaços de discussões e decisões. Quero dizer, pessoas que nem mesmo sabem que sua cor da pele os coloca numa situação de subalternização e inferiorização no mercado de trabalho, pois o mito da harmonia racial se sobrepõe ao racismo estrutural que, sutilmente, escraviza-nos psicossocialmente. Enfim, precisamos sair do automático, questionar nossas representatividades a fim de reivindicarmos a mudança na estrutura social que contemple todas as especificidades da população negra do Oiapoque ao Chuí. Somente assim não seremos apenas corpos negros a serviço do capital. Sim! Precisamos discutir representatividade. 


** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

+ sobre o tema

Pedagogia de afirmação indígena: percorrendo o território Mura

O território Mura que percorro com a pedagogia da...

Aluna ganha prêmio ao investigar racismo na história dos dicionários

Os dicionários nem sempre são ferramentas imparciais e isentas,...

Peres Jepchirchir quebra recorde mundial de maratona

A queniana Peres Jepchirchir quebrou, neste domingo, o recorde...

Apenas 22% do público-alvo se vacinou contra a gripe

Dados do Ministério da Saúde mostram que apenas 22%...

para lembrar

Representatividade como construção da identidade

Porque atualmente se fala tanto em representatividade? Qual a...

Como seria se a história fosse contada por nós?

Você já se perguntou qual o nome da "tia"...

Diário do isolamento social, LAURIÑA

“quando morre um africano idoso, é como se queimasse...

Moços, superem

por: Flávia Oliveira Cinco gerações se passaram desde a abolição...
spot_imgspot_img

Educação antirracista é fundamental

A inclusão da história e da cultura afro-brasileira nos currículos das escolas públicas e privadas do país é obrigatória (Lei 10.639) há 21 anos. Uma...

Refletindo sobre a Cidadania em um Estado de Direitos Abusivos

Em um momento em que nos vemos confrontados com atos de violência policial chocantes e sua não punição, como nos recentes casos de abuso...

Refletindo sobre a Cidadania em um Estado de Direitos Abusivos

Em um momento em que nos vemos confrontados com atos de violência policial  e  não punição, como nos recentes casos de abuso de poder...
-+=