Ricos (não) merecem o que têm?

Combinação de privilégio e competência não é muito comum no Brasil

Privilégio representa alguma vantagem ou direito que uma pessoa ou grupo tem, independentemente de ter sido obtido por esforço próprio ou não. Privilégio nem sempre reflete uma conquista individual, mas pode ser uma herança do passado que se estende para as gerações futuras, moldando destinos de maneiras de que nem sempre temos consciência.

Privilégio se traduz em oportunidades concedidas, frequentemente sem mérito próprio, que atravessam tanto histórias individuais quanto coletivas. Privilégio também é uma palavra que tem assombrado uma parcela dos mais ricos, especialmente aqueles que, por ignorância ou hipocrisia, acreditavam que suas conquistas eram exclusivamente resultado de seu trabalho.

Barracas de pessoas em situação de rua em Los Angeles, na Califórnia (EUA) – Frederic J. Brown – 22.nov.2023/AFP

No entanto, nos dias de hoje, um número cada vez maior de pessoas está contestando premissas que, anteriormente, eram aceitas como naturais. Uma delas diz respeito ao mito de que os ricos construíram suas fortunas sozinhos, através de seus esforços. É verdade que, em alguns casos, especialmente no contexto americano, há diversos exemplos de pessoas que ergueram seus impérios a partir de poucos recursos.

Contudo, esses casos não podem ser generalizados. Muitos daqueles que hoje são considerados ricos iniciaram suas vidas em posições de significativas vantagens em relação aos demais. Alguns aproveitaram as oportunidades que lhes foram dadas e não apenas aumentaram seus patrimônios iniciais, mas também agregaram valor em seus campos de atuação.

Lamentavelmente, no contexto brasileiro, os exemplos acima são raros. Aqui, poucos são aqueles que realmente aproveitam os privilégios iniciais para desenvolver suas habilidades, buscando realizar plenamente o potencial humano e contribuir para deixar um legado na sociedade. Muitos optam por usar essas vantagens para gerar mais privilégios, perpetuando um ciclo de desigualdade.

Em países altamente desiguais, a influência política dos ricos representa um poderoso canal para a manutenção de seus interesses individuais em detrimento do bem-estar coletivo. A acumulação de riqueza nem sempre está relacionada à criação de bens e serviços, mas pode ser herdada ou obtida por meio de conluios com o poder público.

Deste modo, o poder econômico pode minar os avanços coletivos. Esse poder penetra nos bastidores do mundo político, influenciando os financiamentos de campanhas e permeando a contratação de lobistas para a formulação de políticas em benefício próprio. Seus interesses são protegidos, por exemplo, através de benefícios fiscais, regulamentações favoráveis e acesso privilegiado a recursos públicos.

Ao influenciar as políticas governamentais em favor de seus interesses econômicos, eles tornam a entrada de novos concorrentes no mercado mais difícil. Essas barreiras à entrada reduzem a competição, resultando na consolidação de pequenos grupos em setores-chave da economia, o que pode levar à formação de monopólios ou oligopólios. Em muitos casos, essa concentração tende a resultar em uma alta ineficiência econômica.

Nesse cenário, os resultados alcançados pela coletividade de um país e por seus cidadãos não são determinados apenas pelas suas habilidades individuais como muitos preferem acreditar, mas também pelas estruturas de poder e sistemas sociais que beneficiam alguns em detrimento de outros. No Brasil, muitos se veem mais inclinados a buscar privilégios e favores do Estado do que a cultivar suas próprias competências. Isso não apenas mina o potencial individual, mas também o futuro coletivo de nossa nação.


O texto é uma homenagem à música “For the love of money”, composta por Anthony Jackson, Kenneth Gamble e Leon Huff, interpretada por The O’Jays.

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